Por Randolpho Gomes
A verdadeira dimensão da tragédia humanitária ao qual estamos imersos nesse momento, ainda não sabemos de fato, mas, é incontestável os efeitos danosos que tudo isso vem acarretando na saúde física e mental das pessoas. Cada um reage e segue reagindo de maneiras diferentes. Uns com resiliência, outros com mais sofrimento, e todos, sem exceção, com sentimentos e sensações nunca antes experimentados pela imensa maioria dos viventes no globo terrestre.
Ante essa situação, com medidas sanitárias restritivas, distanciamento social, proibição de aglomerações, etc, alguns setores da economia sentiram o baque muito mais do que outros. Alguns segmentos, mesmo em meio a incertezas, flexibilizações e o risco de novas variantes, já esboçam retornos, ainda que lentos, porém já apontando para a retomada da normalidade em pouco tempo. Sem citar aqueles poucos abastados que conseguiram enriquecer ainda mais durante esse período pandêmico.
Porém, algumas categorias há muito já acenderam todas as espécies de alertas vermelhos devido às suas situações econômicas, a exemplo da classe artística, em especial o pessoal do teatro, produtores e demais trabalhadores de eventos. Não são poucos os relatos de atores, roadies, músicos, técnicos de som, de iluminação, etc, que estão sobrevivendo graças a ajuda de amigos e parentes, ou sendo obrigados a exercer outras funções para conseguir comprar alimentos. Não é a toa que uma Lei específica, a Aldir Blanc, foi criada para tentar amenizar um pouco a complicada situação desses profissionais que tanto contribuem para nossos entretenimentos. Aí que começa um pouco do problema!
A LEI – Regulamentada em setembro do ano passado pelo Governo Federal, a Lei Aldir Blanc previu a liberação de R$ 3 bilhões, sendo a metade para estados, e a outra aos municípios, que poderiam ser destinados ao pagamento de três parcelas de uma renda emergencial a trabalhadores do setor, para a manutenção de espaços culturais, ou ser utilizada como recurso a ser aplicado em projetos selecionados por editais e chamadas públicas.
Na Bahia, o quinhão que coube aos estados, R$ 98,6 milhões, ficou sob a tutela da Secretaria de Cultura (Secult), que através das suas subdivisões e autarquias, promoveu formas específicas da distribuição dos recursos. Ao todo foram classificados e habilitados, entre projetos e propostas, 1.810 trabalhos, além da contemplação de 2.823 trabalhadores com a estipulada renda emergencial, e a realização do cadastro de 24 mil pessoas que atuam direta ou indiretamente com as artes.
Coube a uma dessas referidas extensões da Secult, no caso a Fundação Cultural da Bahia (Funceb), a maior parte dos recursos. Com mais de R$ 57 milhões disponíveis, os valores foram destinados para premiar 800 propostas, no Prêmio das Artes Jorge Portugal, que abarcou projetos envolvendo linguagens de Dança, Teatro, Circo, Artes Visuais, Música, Literatura e Audiovisual; e mais de R$ 900 mil, no Prêmio de Exibição Audiovisual.
Dentre os projetos classificados no Prêmio Jorge Portugal, cinco deles foram inabilitados, com a justificativa de possuírem problemas em algumas das documentações exigidas no edital. São eles: “Criação e Crítica na Literatura da Bahia”, proposto por Silvana Carvalho Fonseca; “Edição do livro Xaxado e o Boi de Ouro”, por Vitor Sousa da Silva; “Digitália”, por Bit Media LTDA; “Capa Revista”, de Marcos Borges Fonseca Filho; e “A Vida é uma Rima – uma História de Teatro”, do Teatro Popular de Ilhéus.
Ao todo, esses projetos somam o valor de R$ 500 mil, que estão sendo ansiosamente esperados para apaziguar parte do caos instaurado na vida financeira das centenas de trabalhadores envolvidos diretamente nesses projetos.
Porém, tal situação acabou culminando numa desnecessária querela judicial entre os proponentes dos trabalhos desclassificados, e a direção-geral da Funceb, que, por incrível que pareça, encampa na justiça uma verdadeira batalha para não pagar esses projetos, agravando um pouco mais a já delicada situação financeira dos trabalhadores das artes envolvidos nesses projetos.
JUSTIÇA – De acordo com Wilson Feitosa, advogado do Teatro Popular de Ilhéus, uma das entidades que teve o projeto desclassificado, foi necessário entrar na Justiça, porque o trabalho apresentado foi devidamente aprovado, selecionado, e atendeu todos os critérios da análise técnica do projeto, o que de fato deveria fazer a diferença, porém foi consider
ado inabilitado por não ter apresentado o CNPJ no formato exigido, ou seja como Cartão CNPJ.
O representante jurídico do TPI explica que o documento exigido é facilmente consultável e obtido na internet, além do número constar em diversas outras documentações que foram apresentadas na mesma oportunidade. “ A administração da Funceb tinha várias opções, além de inabilitar a proposta, poderia ter sanado esse vício internamente, com uma mera consulta na internet, poderia ter notificado o TPI para que pudéssemos trazer a documentação em um prazo de três dias. Porém nada disso foi feito, e resolveram sumariamente inabilitar a proposta”, informou.
Segundo o advogado, essa situação motivou o Teatro Popular de Ilhéus a ajuizar ação contra a diretora-geral da Funceb, impetrando um mandado de segurança, que teve liminar negada, “apesar de uma série de precedentes do próprio Tribunal de Justiça da Bahia”, ressalta.
Ele afirma que ante isso, entraram com um recurso de “agravo de instrumento”, que foi aceito pela Justiça, onde foi pedido “ a imediata habilitação do projeto, com base na sanabilidade do vício”. Ou seja, diz o advogado, se existia um problema que foi a falta da apresentação do cartão, nós pedimos que fosse nos dado um prazo para resolvermos o problema em caráter de urgência, fundado entre outros aspectos, no fato de que o recurso teria que ser devolvido para a união, caso não fosse utilizado.
Ainda de acordo com o advogado do TPI, Wilson Feitosa, após a decisão da Justiça favorável ao projeto, houve por parte da Funceb um recurso, objetivando cancelar a liminar concedida, só que até o momento não foi aceito, e nem tirou a sua validade, como era o objetivo da outra parte envolvida. “A nossa liminar está vigente, houve a publicação da habilitação, mas o problema não foi resolvido até o momento”, informa.
O advogado frisa que no edital do prêmio Jorge Portugal consta que habilitação e premiação são etapas consideradas como etapas únicas. Ou seja, se foi habilitado, como ordena a Justiça, já era para o valor ter sido pago. O que até o momento ainda não aconteceu. “O grande problema é que temos uma publicação oficial de uma habilitação, mas sem efeito prático”, finaliza em tom de lamento o advogado.
Vale ressaltar que essa postura por parte da direção da Funceb, vai de encontro a uma determinação da Procuradoria Geral do Estado (PGE), afirmando que, no âmbito dessas premiações, em função da pandemia e da urgência de que os dinheiros cheguem aos proponentes, a Secult, como um todo, deve abrir mão do rigor e aceitar os documentos faltantes, ou rasurados. Mesmo assim a referida autarquia da Secult foi na direção contrária à decisão, já que os recursos estão disponíveis desde janeiro e até então não foram pagos Além disso, a própria Procuradoria Geral do Estado, que estava defendendo a Funceb nessa querela jurídica contra os artistas, resolveu sair do caso ao constatar a decisão da PGE.
PREJUÍZOS – Um dos proponentes dos trabalhos inabilitados, Romualdo Lisboa, diretor do Teatro Popular de Ilhéus, afirma que o grupo está ansioso para realizar esse projeto, que é basilar para o futuro do TPI. “São 25 anos de atividades ininterruptas que teriam como comemoração um espetáculo cheio de afetos. Infelizmente tudo ficou suspenso por causa da burocracia”, ressalta.
Lisboa afirma não entender o porquê da Funceb ter entrado com recurso para não pagar o projeto, já que se trata de dinheiro público, e que se não for usado será devolvido. “Estamos precisando, não faz sentido”, lamenta.
ESTADO CONTRÁRIO – Se, como foi citado no começo desse texto, não sabemos ainda a dimensão e consequências de toda essa tragédia humanitária que acomete o planeta, cabe aos governantes e órgãos de estado, assim imaginamos, agir para conduzir e buscar livrar a população dos seus países a sair o mais rápido possível dessa crise . Ou, pelo menos, usar do aparato estatal e suas ramificações, visando amenizar ao máximo o sofrimento do povo. E não o contrário, onde se percebe a descabida mobilização de energia para dificultar ainda mais as suas já sofríveis situações. E, infelizmente, em toda essa situação relatada envolvendo a Funceb e os artistas baianos, é justamente isso que transparece. O que é algo completamente absurdo!
Informações do site BA 001/ Por Randolpho Gomes.