Diante do desinteresse dos pais biológicos em retomar a guarda da filha, subtraída há dez anos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a destituição de seu poder familiar e o deferimento da adoção para a família que recebeu a criança recém-nascida e a escondeu da Justiça até a formação de vínculos de afetividade. Para o colegiado, apesar da conduta censurável dos pretensos adotantes, a concessão da adoção é a medida mais adequada para o bem-estar da menor, que jamais conviveu com sua família biológica.
Segundo os autos, um tio paterno, em conluio com o conselho tutelar, subtraiu a criança dos pais ainda no hospital, com quatro dias de vida, e a entregou a uma família substituta, sob o pretexto de evitar que ela fosse para um abrigo institucional, pois os genitores viviam em situação de rua e usavam drogas.
Os adotantes informais pleitearam em juízo a destituição do poder familiar cumulada com a adoção, o que foi concedido em segunda instância, ao fundamento de que havia uma situação de vínculo afetivo consolidada por longo período entre eles e a menor.
Relatora do recurso submetido ao STJ pelos pais biológicos, a ministra Nancy Andrighi destacou que, embora “a conduta dos adotantes, no princípio, seja absolutamente repugnante, o foco das ações em que se discute a destituição do poder familiar e a adoção é o preponderante atendimento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente”.
STJ já havia determinado a entrega da criança aos pais biológicos
No recurso especial, os pais biológicos alegaram que os adotantes agiram com deslealdade e má-fé, desobedecendo às diversas ordens judiciais para entregar a criança, inclusive após celebrarem acordo diante do juiz.
Ao analisar o recurso, Nancy Andrighi lembrou que o STJ já apreciou a história das famílias envolvidas, no julgamento de um primeiro recurso especial que tratou da guarda provisória. Na ocasião, a corte decidiu que a criança deveria ser imediatamente entregue aos pais biológicos, pois as fraudes cometidas pela outra família impediam a concessão da guarda.
Paralelamente, a ação de adoção ajuizada pelos pretensos adotantes havia obtido decisão favorável em segunda instância; contra isso, os pais biológicos interpuseram o novo recurso especial. No entanto, em uma audiência de conciliação, o pai manifestou desinteresse pela guarda, alegando que insistir nisso poderia causar prejuízos emocionais à filha, já com dez anos. A mãe biológica, localizada por ordem da ministra Nancy Andrighi, também não se interessou pela guarda.
Adotantes são única referência parental desde o nascimento da criança
Diante desse cenário, a magistrada considerou que a solução adequada é o deferimento da adoção, exclusivamente para proteger a menina – a qual, segundo os laudos psicossociais, está saudável e feliz na companhia das únicas referências parentais que teve desde o nascimento.
“Embora esses vínculos socioafetivos tenham como base uma fraude, o princípio do melhor interesse das crianças e adolescentes impõe seja deferida a destituição do poder familiar dos pais biológicos e deferida a adoção”, ressaltou a ministra ao confirmar a adoção.
Ela frisou, porém, que o desinteresse dos pais biológicos pela guarda “não modifica, em absolutamente nada, os atos e fatos gravíssimos que foram apurados na presente controvérsia”. Na decisão que confirmou a adoção, a magistrada aplicou aos adotantes multa por litigância de má-fé de 20% sobre o valor da causa (patamar máximo), por frustrarem repetidas vezes o cumprimento de decisões judiciais de busca e apreensão da criança, e descumprirem acordo judicial em que se comprometeram a entregá-la.
A ministra ainda observou que a penalidade não interfere na possibilidade de os pais biológicos buscarem a responsabilização civil dos adotantes pelos atos praticados.
Informações do STJ.