Artigo do Professor Sebastião Maciel Costa.
Não mais que de repente, nos vem à mente um recorte das “histórias” e quem os animais nos ensinam os caminhos da boa convivência. Nessa linha de raciocínio, vivia em um mesmo espaço, uma cobra veloz e perigosa para quantos pudessem ouvir falar de si.
Pela sua natureza, seu habitat natural era uma floresta onde só animais se permitiam viver. Em um outro plano, mas na mesma região, vivia um robusto vaga-lume que distribuía luz na escuridão do seu espaço. Era uma figura rara na sua espécie: brilhava por si mesmo, circulava livremente por onde lhe conviesse. (Vaga-lume = luz que vaga ). Assim, o tempo foi passando e, não mais que de repente, ele passou a ser perseguido pela já referida cobra.
Eram duas espécies de grande importância para aquele habitat sagrado pelo reino animal. Pela natureza de cada um dos personagens havia uma grande distância: asco, força, veneno, coragem, audácia e velocidade, era o perfil da cobra; leveza, luz, elegância e pequenez era o status do vaga-lume. Dois mundos, duas realidades, um mesmo destino: contracenar para uma lição de vida. Ora, o vaga-lume, mal anoitecia, ele se tornava brilhante, vistoso, chamando a atenção de todos.
Mas como nem tudo são flores, repentinamente, a cobra passou a persegui-lo de forma abrupta e incansável. O vaga-lume precisava se refugiar, não se sabe onde, mas era uma questão de sobrevivência . Anoitecia, o vaga-lume aparecia, a perseguição começava, por uma noite, duas noites, três noites… numa perseguição sem sim fim e, sem perspectivas, o nobre e frágil vaga-lume já não mais tinha o que fazer. Escondia-se, piscava, mas era visto em todos os pontos da escura floresta.
Pelo seu turno a cobra estava cada vez mais furiosa, cada vez mais próxima do seu intento: aproximar-se do vaga-lume que fugia como “o diabo foge da cruz”, com sucesso, na primeira noite, nem tanto na segunda, nenhum sucesso na terceira noite, que mais parecia uma eternidade. Numa curva fechada na clareira, a serpente esperou e “creu”: alcançou o trêmulo vaga-lume que se deu por vencido. Era o fim… O vagalume, sabendo-se no fim da linha, encheu-se de coragem e pediu à cobra um momento de reflexão. Ele sabia que a cobra não teria piedade, mas como não restavam muitas chances, tentar uma saída para entender a situação era o que estava ao seu alcance: – Sei que não tenho nenhuma chance com a senhora, mas antes de me devorar, posso lhe fazer três perguntas? Encantada com a coragem do pequeno inseto, a serpente relaxou um pouco e disse: esteja à vontade. Primeira pergunta: – Eu, por acaso, pertenço à sua cadeia alimentar? A serpente, encantada com a simplicidade do vaga-lume, prontamente respondeu: – Não.
Segunda pergunta: -Eu lhe fiz algum mal? A serpente disfarçando a curiosidade, respondeu: – Não. Vai, então, a terceira e última pergunta:
– Se eu não pertenço à tua cadeia alimentar, nunca te fiz algum mal, então, por que você quer acabar comigo, por que precisa me destruir, por que eu não tenho o direito de viver livremente aqui na floresta que é meu único espaço para viver? E a serpente responde:
-Mas eu não quero te devorar, não tenho te perseguido, pelo contrário, tenho te seguido, veja: seguido, não perseguido. Tenho estado, como que hipnotizada pela tua luz, pelo teu brilho, pela clareza que tu irradias quando passa em qualquer espaço desta imensa floresta…fecha-se o recorte, não se comenta a reação do vaga-lume, nem a surpresa da serpente.
O tempo passou e surge a dúvida: a serpente seguia o vaga-lume, porque estava encantada pela sua luz, ou por que não aceitava a ideia de vê-lo brilhar? Era um encantamento natural ou uma inveja pelo seu brilho? Era vontade de com ele aprender, ou destruí-lo para não ser vista em segundo plano, ou melhor, não ser vista, pois não tinha “luz própria?
No plano real, entre as pessoas, a cada dia se configura um quadro muito complexo no tocante à convivência pacífica entre os seres humanos, independente de classes sociais ou nível de informação. Um despretensioso card é publicado com um recorte deveras impactante, quando parece que se chegou a uma encruzilhada, quanto aos rumos que a humanidade vem produzindo ao longo dos últimos tempos, em todos os campos das relações sociais. “Seria o diálogo a chave de tudo, ou seria a compreensão? Você pode explicar tudo, utilizar os melhores argumentos, enumerar todas as suas razões, se o outro não entender, já era”.
Abre-se a discussão diálogo x compreensão
E essa foi, certamente, a intenção da autora da máxima: levantar hipóteses sobre o nosso comportamento nos dias e hoje, onde os ruídos da comunicação têm trazido sérios prejuízos às relações sociais em todos os níveis, com gravas problemas que comprometem a qualidade de vida.
Ninguém se entende, ninguém entende, nada se explica, tudo se complica em nome de uma sociedade 4D. É comum acreditarmos que sabemos tudo sobre nós mesmos, nossas ações e que estamos agindo sempre da forma correta, afinal, “o inferno são os outros” ,trazendo a reflexão de que muitas vezes nem percebemos o quanto negligenciamos os nossos próprios equívocos e, ainda por cima, os projetamos no outro a “culpa” por tudo.
É da natureza humana não querer errar, ou não mostrar fraquezas, ou até mesmo, transferi-las para o outro, ou situação, para justificar o inadequado, ou que pode ser julgado errado. Em todos os tempos e sociedades, em tribos, até grupos de trabalho, escola, convívio familiar, prevalece a necessidade de cristalizar a nossa reputação: ninguém quer ser identificado como o mais fraco, inábil ou menos importante, do grupo. Decorrente dessa falta de “entendimento” entre o que se diz e o que se entende, ficam, cada mais raquíticas as possiblidades de relações sociais saudáveis para uma qualidade de vida reconhecidamente favorável à nossa existência como pessoas que vivem em um universo de inteligência artificial sem ter administrado ao inteligência humana.
Na prática, quando nos arvoramos em apontar uma falha do outro, chamamos a atenção de todos para o fato de que o erro é algo pesado, incabível e injustificável; quando a falha é nossa, não estamos aptos a trabalhar a oportunidade de aprendermos com os próprios erros e, que “errar”, faz parte do processo de crescimento e aprendizado. Onde erramos, onde erram, onde está o erro, qual o erro… a comunicação é truncada, o diálogo prejudicado, a compreensão é sacrificada, o ser humano é reduzido à ignorância que nos propõe negar todos e quaisquer avanços nos mais variados campos da conquista humana: sem compreensão, não há diálogos, sem esses, não há confiança, garantia de estabilidade e qualidade de vida.
Quando não assumimos falhas e não nos responsabilizamos pelos atos, estamos perdendo a chance de “consertar” aquele equívoco e evoluirmos para melhores níveis / situações / condições.
Retomando o impasse criado entre cobra e o vaga-lume, onde foi estrangulado o diálogo e em que bases fica a compreensão? Põe-se em dúvida a eficácia de qual dos dois valores tão decantados pelas sociedades ditas modernas, tecnológicas, avançadas a ponto de se sentirem no topo da pirâmide do conhecimento neste século. Vivemos em um mundo de três dimensões: altura, largura e profundidade. Muitos dizem que o tempo é a quarta dimensão. No raciocínio mais elementar para a busca de solução entre o diálogo e a compreensão, atrever-nos-íamos a declarar que a quarta dimensão é o saldo entre o que foi dito e o que foi compreendido, já que no chamado “mundo 4D” reforça-se a ideia de que não existem erros, mas testes, que nos apresentam diversas versões na produção de uma mesmo fato, de uma mesma tarefa.
Seria a oportunidade de acreditar-se que não importa se houve erro, o mais importante é encontrar soluções para que se obtenham os melhores resultados possíveis para determinada situação e para isso precisamos encontrar onde foi que erramos, ou confundimos, ou não entendemos.
Conhecer os nossos limites é fundamental para que saibamos até onde podemos projetar os nossos próximos atos, com erros ou acertos, mas acima de tudo, com plena compreensão dos fatos, da vida e perspectivas de um futuro, quando nada, com qualidade de vida.
→Artigo do Professor Sebastião Maciel Costa.