Por Rans Spectro
Já vivi o suficiente cá por essas bandas sulbaianas, mais precisamente no trecho Ilhéus-Itabuna-Canavieiras, para constatar empiricamente que um dos fortes dessa região com certeza não é, até então, a capacidade de eleger bons gestores. Talvez o contrário. É incrível e lastimável como escolhemos tão facilmente pessoas sem a menor aptidão para estarem à frente de gestões públicas. E olha que não estou falando de honestidade. Não dessa vez. E sim, única e exclusivamente de capacidade mínima de gerir uma cidade de maneira tecnicamente satisfatória, não negligenciando questões básicas e simples, e, o mais importante, tendo consciência da gigantesca importância do poder público municipal como condutor e responsável pelas evoluções e progressos das cidades. E, não como meros cabides de emprego, e fomentadores de estruturas corruptas para manutenção e perpetuação de questionáveis projetos de poder.
E são nos detalhes que a falta de compromisso e o perigoso amadorismo nas gestões municipais se evidenciam. Nas inexplicáveis ausências de zelo com os logradouros públicos, inclusive pontos de visitação turística, na negligência com a mobilidade urbana, no descaso da utilização de ultrapassados sistemas de coletas de lixo, na falta de compromisso em propor soluções para a absurda ausência de saneamento básico nas cidades, na falta de compromisso com a Educação, e a danosa falta de visão ante a elaboração de políticas públicas de incentivo à Cultura, e aos Esportes. E é justamente aí que queria chegar.
Em Ilhéus, lá pelos idos de 2005, uma antiga reivindicação dos praticantes de esportes radicais enfim virou realidade, e o então prefeito Valderico Reis, cassado um ano depois, ordenou a construção de uma pista de skate na cidade. Mesmo que ela tenha sido feita com material de baixa qualidade, inclusive areia da praia, fazendo jus ao perfil de aventureiros mal intencionados que se revezaram na prefeitura ilheense, a sua construção foi um verdadeiro marco para uma geração de skatistas. Muitos atletas de qualidade se formaram no período em que ela esteve em condições de ser utilizada, até ir definhando gradativamente e acabar interditada por vários anos. Ilhéus passou a ser celeiro de revelação de skatistas de destaque no cenário baiano, e não tardaria para que atletas locais ganhassem relevância nacional. Mas isso não aconteceu. Primeiro, porque os gestores e seus asseclas desqualificados não vislumbram que o Esporte é uma das ferramentas sociais mais importantes para tentar evitar que levas e mais levas de adolescentes recém saídos da infância, ou arrancados delas, sigam sendo recrutados pelas facções criminosas, e mortos muitas vezes nas mãos do próprio Estado. Sim, ele mesmo, que muitas vezes negligencia políticas públicas que, caso fossem aplicadas devidamente, talvez poderiam evitar que eles, os agora meras estatísticas da violência, adentrassem na vida do crime.
Sim, uma pista de skate tem impacto social na vida dos jovens. Sim, a ausência de logradouros públicos voltados para incentivar as práticas esportivas, deixam sequelas sociais nas comunidades. Sim, é dever do poder público municipal espalhar praças desportivas em bairros, distritos e povoados. Só que os prefeitos não fazem nada disso. Talvez até prometam durante as campanhas eleitorais. Mas não cumprem. Menos mal que só ficassem com fama de mentirosos. Mas não. Não se resume a apenas isso. Além da mentira, tem o estrago social da falta de política pública, que vem junto a tiracolo. Tem a consequência drástica do abandono, que será de fato sentida quando um promissor talento no skate, da mesma idade da Rayssa Leal, a Fadinha, ter sido morto na guerra do tráfico, empunhando uma pistola, ao invés de estar munido de um skate, se divertindo e buscando novos nortes ante a violenta realidade do seu bairro.
Sim, nas cidades que inexistem pistas de skates, quadras, campos, etc, predominam espaços vagos onde a violência urbana vem ganhando corpo. Entram para o tráfico, jovens que poderiam se transformar em esportistas de talento, com o total incentivo das prefeituras. Quantas Fadinhas que jamais terão a oportunidade de desenvolverem seus talentos, residem nos bairros esquecidos pelo poder público? De quem é a culpa quando um talento sucumbe tomado pela violência, que poderia ter sido combatida em sua raiz?
A resposta é fácil, os culpados por isso são os mesmos que nas próximas eleições surgirão com as mesmas promessas não cumpridas de quatro anos atrás. Aparecerão nos bairros de ruas esburacadas, nas comunidades esquecidas sem pistas de skate, entre os jovens esportistas, muito deles amantes do vitorioso esporte olímpico, com sorrisos fartos, afagos, belas palavras, depois vão embora, e deixarão para trás os já corriqueiros abandono e descaso que os regem, manifestos no formato tragédia social anunciada. Até quando? O poder está em nossas mãos!
Rans Spectro é jornalista, colaborador do Blog Agravo, e editor do Site BA001.
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