A relação entre o governador da Bahia, Rui Costa (PT), e o seu padrinho político e antecessor, o senador Jaques Wagner (PT-BA), estremeceu em meio à implosão do palanque tido, até então, como um dos mais sólidos para a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A falta de articulação dos dois abalou a aliança governista, culminando com o rompimento do vice-governador João Leão (PP) e a troca de acusações na base petista.
Aliados de Wagner e Costa responsabilizam um ao outro pelo desmonte da coligação que sustenta o governo e pela ausência de um nome competitivo para a disputa ao Palácio de Ondina.
A crise reavivou uma antiga crítica de Wagner a Costa —de falta de investimento em novas lideranças para sua própria sucessão—, enquanto o senador é acusado de demora no anúncio da desistência de disputar o governo do estado.
Já os petistas acusam os dois de facilitar a campanha do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil), alimentando até a desconfiança de existência de um acordo tácito entre ele e Lula.
Tido como hábil negociador político, Jaques Wagner foi apontado pelo PP como o responsável pela saída da legenda da base governista após 14 anos.
O PP é o segundo partido da Bahia em número de prefeitos e possui uma das maiores bancadas da Assembleia Legislativa. Agora, o partido migrou para o arco de alianças de ACM Neto.
Na semana passada foi oficializada a pré-candidatura de João Leão para o Senado na chapa de Neto. O movimento ajuda o ex-prefeito na busca de eleitores de Lula, já que João Leão tem manifestado voto no ex-presidente.
A saída do PP ocorre após ruptura do pacto segundo o qual Leão assumiria por nove meses o governo do estado em decorrência do lançamento da candidatura de Costa ao Senado. Só que nem Wagner nem o PSD (o maior partido em número de prefeituras) tinham participado desse acordo.
No período em que Lula esteve preso, apoiadores de Costa incentivaram rumores de que ele pretendia concorrer à Presidência. Nessa equação, Leão assumiria sua cadeira, Wagner se candidataria ao governo e o senador Otto Alencar (PSD) concorreria à reeleição.
A libertação de Lula enterrou as pretensões nacionais de Costa. Em agosto do ano passado, durante uma reunião com Lula, Costa afirmou que, encerrado o seu mandato, voltaria para a roça.
Segundo participantes, Lula reagiu: “Cuidar de bicho e de roça, porra nenhuma. Você terá desafios maiores. O Brasil conta com seu trabalho”, disse o ex-presidente.
A contragosto, Wagner permitia que mantivessem sua pré-candidatura, dentro de uma fórmula em que Costa cumpriria seu mandato até o fim.
Em fevereiro, no entanto, Costa fez chegar ao ex-presidente Lula a existência de um acordo pelo qual Otto seria o candidato a governador. Dessa forma, ele poderia disputar a vaga ao Senado.
No dia 15 de fevereiro, Costa, Wagner e Otto se reuniram com Lula em São Paulo. Para surpresa de Lula, Otto negou que tivesse concordado em disputar o governo.
“Eu nunca disse que disputaria o governo e Rui sempre disse que ficaria até o final [do mandato]”, diz Otto, cuja eventual candidatura foi bombardeada pelo PT sem nem sequer ter sido lançada.
Além da demora em anunciar sua desistência, integrantes de partidos aliados apontam ainda que houve uma falha de Wagner ao não fazer consultas coletivas com o grupo político.
O senador teria apenas tido discussões com Costa e, em outras ocasiões, tomando decisões unilaterais externadas em entrevistas a emissoras de rádio baianas, sem antes comunicar aos aliados o que revelaria em público.
Anteriormente, em discursos públicos, Costa dizia que a relação de amizade dele com Wagner, seu padrinho político, era inabalável.
Costa foi às redes sociais na semana passada para celebrar publicamente o aniversário de 71 anos de Wagner, descartando os rumores de que estariam rompidos.
“Hoje é dia do companheiro Jaques Wagner! Digo com orgulho que somos amigos há mais de 30 anos e que seguimos unidos no nosso trabalho e amor pela Bahia, transformando a vida dos baianos e baianas.”
Após uma série de desencontros, Wagner e Costa se reuniram em busca de uma saída para o impasse no estado. Os dois definiram o lançamento de um petista ao governo.
Segundo aliados, nas conversas, a dupla encarou o risco de saída do PP como a contenção de um dano maior, que seria o rompimento do PSD. Havia ainda o temor de que, sob o comando do PP, o Governo da Bahia se transformasse em QG bolsonarista no Nordeste.
O lançamento de Otto Alencar para o governo, com Costa para o Senado, também encontrou resistência nas bancadas de deputados federais e estaduais petistas, que temiam não ter suporte da máquina na busca pelas respectivas reeleições.
Com a permanência de Costa no cargo, o PP saiu da aliança e ameaça engrossar a oposição.
Também na semana passada, em um discurso durante um ato no interior da Bahia, Costa subiu o tom e disse que ninguém pode colocar “a faca no pescoço” dele.
“Eu sou grato ao meu povo, ao nosso povo, pelo mandato que me deu. E o povo da Bahia me deu um mandato até 31 de dezembro de 2022. E ninguém, a pretexto nenhum, pode colocar a faca no meu pescoço e dizer que eu abra mão deste mandato”, afirmou.
No dia seguinte, o vice João Leão disse que não acredita que a fala tenha sido direcionada a ele.
“Se [o que Rui Costa falou] foi para mim, não pegou. Quem colocou faca no pescoço foi Jaques Wagner, que disse a Rui que ele não era candidato a senador”, rebateu Leão em entrevista à Rádio Sociedade da Bahia.
Deputados federais e estaduais que seguem aliados ao governo Rui Costa acreditam ainda que Jaques Wagner obteve informações de que, ao assumir a cadeira de governador, João Leão não manteria o acordo firmado nos bastidores.
Esses parlamentares acreditam que Leão poderia se lançar à reeleição ao governo do estado com o controle da máquina pública, o que não interessaria ao PT. Além disso, poderia se aliar a ACM Neto e atrapalhar os petistas no pleito estadual de 2022.
Outro temor nas hostes do Palácio de Ondina era que, como o PP nacional apoia o presidente Jair Bolsonaro (PL), pudesse haver uma intervenção da cúpula da sigla na Bahia. A principal liderança do PP nacionalmente é o ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira.
Há duas semanas, ou seja, antes de oficializar o rompimento, João Leão esteve com Ciro Nogueira e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dois dos principais aliados de Bolsonaro, em Brasília.
Ao sair do governo, o PP entregou três secretarias e outros cargos de segundo escalão.
Agora, aliados apostam que Rui Costa usará espaços livres para conquistar apoio de partidos que ainda não firmaram vínculo com ACM Neto ou com Jerônimo Rodrigues, secretário da Educação da Bahia indicado pelo PT para a disputa ao governo após a desistência de Wagner.
Não está descartada ainda uma ofensiva do governo sobre partidos que estão na aliança de ACM Neto. Com a chegada do PP para apoiar o ex-prefeito, o PT acredita que há aliados que possam ficar insatisfeitos por não serem contemplados na chapa majoritária.
Quanto ao PP, uma ala de prefeitos da legenda, provavelmente minoritária, deverá seguir apoiando o PT, pelo menos por ora.
Na tentativa de amenizar a crise, o ex-presidente Lula pode desembarcar na Bahia nas próximas semanas para lançar Jerônimo Rodrigues como pré-candidato a governador e Otto Alencar para a reeleição no Senado.
Informações da Folhapress.