A disputa eleitoral do segundo turno em Goiânia deixou marcas profundas na direita. De um lado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado estadual Fred Rodrigues (PL) saíram derrotados em uma campanha com ataques virulentos aos adversários. No outro flanco, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), saiu mais do que vitorioso ao quebrar um tabu histórico e eleger o aliado Sandro Mabel (União Brasil) em um processo que consolidou a sua liderança no Estado.
Dentre tantos afilhados políticos que disputavam o segundo turno, inclusive contra candidatos do rival PT, Bolsonaro escolheu acompanhar a apuração ao lado de Fred Rodrigues, no que foi entendido como uma afronta a Caiado em busca da hegemonia no campo da direita. Para o governador, a postura do ex-presidente foi “deselegante, desrespeitosa,” e tentou desgastar a sua autoridade no Estado.
Questionado sobre a força de Bolsonaro na direita, Caiado rebate que o segmento não tem dono e que não teme sofrer retaliação de uma oposição bolsonarista no Estado que governa.
Leia os principais trechos da entrevista:
O senhor avalia que a direita saiu rachada em Goiânia?
A centro-direita, em Goiânia, saiu vitoriosa. Eu ganhei a eleição. Eu tenho credenciais de uma vida para falar pela direita no Brasil, quando era palavrão, em 1986. Então aqui, em Goiás, ela saiu vitoriosa.
O senhor coloca o Bolsonaro, Fred Rodrigues, Gustavo Gayer, no grupo extrema direita, em outra banda?
É outro raciocínio. A centro-direita saiu vitoriosa e o candidato foi eleito. Então eles saíram derrotados? O que aconteceu foi exatamente não fazer a política de entendimento e de coligação e de construção de candidatura. Eu o chamei (Bolsonaro) no começo do ano para que nos entendêssemos, compuséssemos chapas nas cidades de Goiás, ou seja, de acordo com o candidato em cada região e cidade. Certo? Eu fui surpreendido simplesmente por eles lançarem candidatos no Estado inteiro. Sem sequer ter conversado. Eles sequer sentaram para conversar. Então, o que ocorreu em Goiás foi uma falta de habilidade política. Faltou humildade e sobrou deselegância da parte deles em achar que bastava lançar um número, independente do candidato, que ganharia as eleições. Fazer política não é assim. Fazer política é entender que você tem que respeitar as lideranças estaduais, você tem que respeitar as lideranças municipais, você tem que dialogar, você tem que conversar, você tem que ceder e você pode avançar. Isso tudo faz parte do xadrez político. Não é chegar aí e simplesmente dizer: ‘ó, é 22. “Vota aqui, é 22′. Talvez a maior lição dessa eleição de 2024 é que as pessoas precisam entender que não se ganha com ações individuais. Soltar candidato para não ganhar a eleição, o que resolve? Resolve nada.
Qual é o tamanho dessa vitória em Goiânia para o projeto político do senhor?
Você sabe que há 36 anos um governador não elege um prefeito na cidade de Goiânia. 36 anos. Então, já existia esse tabu aqui no Estado de que o governador não elege o prefeito. Segundo ponto, eu não tive aqui a pretensão de inventar candidato. Eu fiz pesquisas qualitativas e todas elas mostravam que a população queria um gestor que tivesse habilidade política. O que isto significa para a minha candidatura em 2026? O primeiro lugar é que eu, se sou o governador mais bem avaliado, eu preciso de uma capital que seja também mais bem avaliada. Esse é o meu objetivo. É só poder mostrar que aquilo que eu proponho fazer está feito. Você quer falar de segurança? Vem para Goiás. Você quer falar de educação? Vem para Goiás.
Como o senhor avalia os ataques do ex-presidente Bolsonaro e dos seus familiares ao senhor?
Desrespeitoso, deselegante, sem necessidade, até porque eu o apoiei em todas as eleições que ele participou no cenário nacional. Aí ele lançou o candidato contra mim em 2022 na minha reeleição. Eu ganhei no primeiro turno. Lançou o candidato contra nós aqui, depois nós buscamos o entendimento na capital. Ganhamos a eleição dele. O que eu espero é que isso também possa fazer repensar esse seu comportamento no momento da eleição de 2026. Eu acho que a gente não ganha eleição sozinho. Está claro aí.
A gente não ganha eleição em posições extremadas. As pessoas querem moderação, querem equilíbrio. A população brasileira está cansada dessa queda de braço, desse processo de enfrentamento todo dia. O povo não aguenta mais esse nível de fake news, rotulando, se não concorda com a ideia deles, daí sai como comunista, sai como pessoa que não tem respeito à família. Pessoas totalmente desqualificadas para falar de família e falar de Deus. Tem que ter respeito com Deus. Deus é uma coisa que todos nós somos tementes. Vamos respeitar, certo? Falar em pátria, todos nós temos trabalho. A população quer saber é de algo direto. Como é que é que eu vou construir a saúde para as pessoas, a segurança pública, o transporte coletivo, os programas sociais, a educação de qualidade? É isso que a pessoa quer hoje? Vamos botar o pé no chão e vamos ter noção da vida como ela é.
O senhor falou da importância de não ir pro extremo para ganhar a eleição, de se posicionar mais ao centro. Nesse campo da direita, onde o senhor pretende buscar apoio? Com quem o senhor pretende compor? Tendo em vista que o Bolsonaro, por ser essa liderança nacional, domina esse campo…
Vamos lá, vamos lá. O Paulo Marçal mostrou que não tem essa tese não. Acho que a interpretação tem que ser feita de ambos os fatos. Essa tese caiu por terra. A direita e o centro não têm dono de nenhum lado. Cada eleição é uma eleição. Em cada momento você vai apresentar suas ideias e não quer dizer que você está em um lado que você vai ganhar, não. Você ganha se você tiver os melhores argumentos, as pessoas mais preparadas, se você voltar a fazer política na vertente daquilo que a sociedade espera. Então, não tem esse voto cego, não tem esse voto encabrestado. E você viu que essa eleição foi a eleição da lucidez. Ou seja, as pessoas passaram a refletir e excluíram os extremismos, tá certo? E votaram na experiência, na moderação, na competência. Tá aí a resposta de 2024. Então essa tese de alguém que é dono de um segmento da sociedade não existe. Não se tira o prestígio dele. Não se tira a representatividade dele. Agora, o que nós temos que construir no Brasil é a nossa capacidade de ganhar as eleições. Isso aqui é outra coisa. Ter liderança, sair candidato é uma oportunidade para construir uma ampla aliança para ganhar as eleições, porque quem perde a eleição não decide a vida do País, não muda a vida do cidadão, não escreve a história do País. Só escreve quem ganha a eleição. Então não é disputar a eleição, não é ter apenas um segmento da sociedade.
O senhor acredita que o eleitor bolsonarista pode se afastar do seu grupo político por causa dessa disputa de tantos ataques em Goiânia?
Não vejo motivo nenhum para isso, porque é muito mais histórico a representatividade da direita do que qualquer um no Brasil. Em 1989, dos 22 candidatos à presidência, eu era o único que defendia a direita no Brasil, o direito de propriedade, a livre iniciativa e tudo isso. Então eu não sou um homem extremado. Sou um mediador. Só que eu converso com as pessoas. Você não governa sozinho. O cidadão não quer se comprometer em 2026 para perder novamente uma eleição por Lula. Não é disputar a eleição, é ganhar as eleições. Isso é que é o importante. E para isso tem que ter habilidade política, humildade e tem que ter experiência de vida para poder entender que todos nós podemos cometer erros. Agora não vamos cometer erros primários, elementares, de achar que apenas um extremo ganha uma eleição no País. Não, você tem que ampliar o seu espectro junto à sociedade para você construir a sua maioria. Aí sim, ser uma maioria convergente no sentido de paz. Ninguém governa com enfrentamento, ninguém governa criando clima de guerra a todo momento. Se governa é pacificando o País, é pacificando o seu Estado.
O senhor acredita que o resultado em Goiânia consolida o poder do senhor no Estado com vistas a disputar o Palácio do Planalto em 2026? E já aproveito para perguntar se o senhor, de fato, será candidato daqui dois anos?
Eu vou responder primeiro à última. Eu sou candidato daqui a dois anos. Até porque eu me sinto credenciado para dar, diante dos meus seis mandatos. Sobre a primeira pergunta é dizer a você que eu não busquei isso que aconteceu. De maneira nenhuma. Quem veio aqui para Goiânia me enfrentar foi o ex-presidente Bolsonaro. Eu não fui enfrentá-lo em São Paulo ou no Rio de Janeiro, certo? Essa situação você coloca, não fui eu quem a criei, pelo contrário, eu insisti várias vezes para que houvesse uma convergência nas nossas alianças. Ele, ao invés de priorizar onde se existia uma disputa ideológica, que era em Fortaleza, do PT contra o candidato dele, ele preferiu vir para Goiânia, tá certo? E passar o dia inteiro aqui. Chegou aqui às oito e meia da manhã, saiu daqui às seis horas da tarde. Não fui eu que criei essa situação. Eu fui vítima desse processo com o qual eu não entendi por que ter que focar em Goiânia, já que eu iniciei essa luta no Brasil antes dele. Eu, quando eu entrei na Cinelândia, a minha candidatura a presidente da República, ele mesmo estava lá como vereador me aplaudindo. Agora (Bolsonaro) tentou me desgastar no Estado no qual eu fui eleito no primeiro turno, fui reeleito no primeiro turno. Não tinha porque vir aqui com toda a equipe dele, com deputado. Tem deputado federal que não sabe nem onde é Goiânia, nunca esteve aqui na cidade. Olha, acho que não pode ser esse o objetivo. Por que esse é o objetivo? Qual é o mal que fiz?
Informações de Weslley Galzo/Estadão