Estadão Conteúdo
O Ministério da Saúde vai reduzir de 21 para 18 anos a idade mínima para que um transexual possa fazer cirurgia de mudança de sexo na rede pública e de 18 para 16 anos a idade para início do tratamento hormonal e psicológico. Também vai passar a pagar a operação de mulher que quer virar homem – o que ainda não era contemplado.
Antes mesmo de ser publicada, a nova norma já causa polêmica. A portaria, que será publicada nesta semana no Diário Oficial da União, vai incluir o pagamento de cirurgias para retirada de mamas, útero e ovários, além da terapia hormonal para crescimento do clitóris. O investimento inicial será de R$$ 390 mil por ano.
A cirurgia para construção do pênis (neofaloplastia) não será paga, pois a técnica ainda é considerada experimental pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). “Desde 2008, somos um dos únicos países do mundo a ofertar o tratamento para transexuais de maneira universal e pública. O salto agora é aumentar o acesso e ampliar a oferta de serviços que fazem a cirurgia, além de autorizar o acompanhamento em unidades ambulatoriais”, diz José Eduardo Fogolin Passos, coordenador-geral de média a alta complexidade do Ministério da Saúde.
O grupo técnico que cuidou da revisão da portaria chegou à conclusão de que a idade mínima para a realização da cirurgia de mudança de sexo é de 18 anos. Como o pré-requisito é ter feito ao menos dois anos de acompanhamento psicológico, foi necessário diminuir para 16 a idade para início do processo. E é exatamente essa redução que dividiu opiniões.
Para a médica Elaine Costa, do Ambulatório de Transexualismo do Hospital das Clínicas de São Paulo, a medida é correta. “O paciente que é trans aos 18 anos vai continuar trans aos 21. Exigir que a cirurgia só possa ser feita aos 21 vai aumentar em três anos o sofrimento dele. É totalmente desnecessário.”
A pesquisadora Regina Facchini, do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp, segue o mesmo raciocínio. “Quanto mais cedo esse paciente tiver acesso ao tratamento hormonal, melhor será para ele. A maioria se reconhece transexual muito cedo, ainda na adolescência. E, se ele não for acolhido e receber orientação e acompanhamento adequados, vai comprar hormônio clandestinamente.”
Cautela
Já Diaulas Ribeiro, promotor de Justiça de Defesa dos Usuários da Saúde do Distrito Federal e pioneiro na luta pelos direitos dos transexuais, critica a redução da idade para início do tratamento e da cirurgia. Para ele, o governo deveria ser mais prudente. “O jovem de 16 anos pode ser emancipado para fins civis. Meu medo é o índice de arrependimento que pode surgir, já que o diagnóstico, em geral, é fechado com mais idade. Sou contra iniciar a terapia hormonal aos 16, pois se trata de um procedimento definitivo. Se a pessoa quiser desistir, não tem mais como voltar atrás”, avalia.
Ribeiro também pede cautela com relação à redução da idade para a cirurgia. “Juridicamente, não há problema nenhum em operar aos 18 anos, mas essa é uma via de mão única. Quanto mais tarde a cirurgia for feita, menor o risco de arrependimento”, pondera, defendendo que a intervenção só ocorra aos 25.
O tema ainda promete dar o que falar. “Com 18 anos, a gente vota, pode ser responsabilizado criminalmente, pode casar e dirigir. Por que não podemos fazer uma cirurgia?”, pergunta Leonardo Tenório, de 23 anos, presidente da Associação Brasileira de Homens Trans. “Acho que 16 anos é até pouco. Deveria ser 14. Quanto mais cedo começarmos, mais rápido nosso corpo ficará como gostaríamos que fosse.”
Demanda
Como a cirurgia de mudança do sexo feminino para masculino ainda não é remunerada pelo SUS, o Ministério da Saúde não sabe informar qual a atual fila de espera. Passos calcula que a demanda seja de pelo menos 100 pacientes por ano, considerando dados dos quatro únicos hospitais que fazem esse procedimento atualmente, com recursos próprios.
Uma das críticas em relação às novas regras do SUS é a falta de pagamento para a metoidioplastia – cirurgia de masculinização. A técnica consiste no fechamento da vagina, transformação dos grandes lábios em sacos escrotais (com implante de próteses) e na mudança da uretra para a ponta do clitóris, que é transformado em micropênis – e permite urinar de pé.
O Ministério da Saúde diz que a técnica não foi incluída porque ela nem sequer é citada na resolução do CFM. Em nota, porém, o conselho diz que “a possibilidade de cirurgia de transgenitalização para mulheres é considerada prática válida e segura, com exceção para a neofaloplastia”.
Para Tenório, as novas regras são um avanço, mas ainda não estão completas. “As mudanças são significativas, pois até então éramos invisíveis. Mas ainda não serão 100%.”
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