Dois adolescentes, de 16 e 17 anos, foram resgatados de uma fazenda localizada no município de Santa Cruz Cabrália, vizinho a Porto Seguro, em operação realizada no início de março e mantida em sigilo.
O caso está sendo acompanhado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho do Brasil, que realizaram a inspeção com o apoio da Polícia Rodoviária Federal. Uma audiência, realizada na última quinta-feira (05/04) com o proprietário da fazenda para propor o pagamento das rescisões e multas, terminou sem acordo. Com isso, o MPT irá propor ação na Justiça do Trabalho e encaminhar queixa crime ao Ministério Público Federal (MPF) contra o proprietário.
Segundo o procurador do MPT Italvar Medina, que acompanhou a inspeção, “a equipe encontrou na Fazenda Tucum condições de vida altamente degradantes. A casa fornecida pelo proprietário não tinha água encanada, nem eletricidade. Os meninos bebiam água do mesmo rio usado pelos animais e que era armazenada em pote de lubrificante, satisfaziam as necessidades fisiológicas no mato, dormiam sobre colchões colocados diretamente sobre o chão e sem roupas de cama apropriadas. Não havia sequer local adequado para guarda de roupas pessoais, nem de alimentos, de modo que carnes estavam penduradas com pregos nas paredes e expostas aos insetos”.
A procuradora Geisekelly Marques, responsável pelo inquérito aberto no MPT para apurar o caso, afirmou que “a situação encontrada na Fazenda Tucum seria lamentável para qualquer trabalhador, mas o fato de as vítimas serem adolescentes torna os fatos ainda mais graves. Eles estavam submetidos a uma das piores formas de trabalho infantil, que o Brasil se comprometeu a banir perante a comunidade internacional”.
Conforme o auditor-fiscal Alison Carneiro, “as condições de trabalho, moradia e higiene a que os menores estavam expostos eram péssimas. Os jovens estavam sendo expostos a diversos riscos ocupacionais, que comprometiam o seu desenvolvimento físico, mental e social. Todo menor tem direito a uma proteção integral, e a Constituição Federal impõe a todos – Estado, família, sociedade e empregadores – o dever de resguardar essas pessoas em desenvolvimento”.
A auditora-fiscal Lidiane Barros destacou que “os adolescentes possuíam inúmeras marcas de arranhões, quedas e cortes decorrentes arame farpado e espinhos, supostamente pelo desempenho das atividades profissionais na fazenda. O empregador irá responder pelas infrações administrativas decorrentes da ação do Ministério do Trabalho e, posteriormente, um relatório de fiscalização será encaminhado para os demais órgãos, para que eles possam dar prosseguimento à persecução penal”.
Para preservar as vítimas, os nomes delas não foram divulgados. Mesmo após ser notificado, o proprietário da fazenda, Henrique Rubim, negou-se a assinar as carteiras de trabalho e a pagar as verbas rescisórias e os danos morais aos dois jovens. Agora, deverá sofrer sanções na esfera judicial.
O caso revela também como ainda é comum a prática do trabalho análogo ao de escravo passar de uma geração para outra. Para o pai dos jovens, que passou por situação semelhante, visto que chegou a trabalhar na mesma fazenda, o trabalho, apesar de difícil, era a única saída para a pobreza e a fome total. Ele relatou que o dono da fazenda havia prometido pagar R$680 por mês, mas o valor nunca foi pago. “Ele me pagava com uma cesta básica que nem chegava ao fim do mês. A carne que ele mandava era dura e precisava ser pendurada ao sol, pois não havia local para armazenamento”, contou. Ele ainda disse que, apesar das condições ruins de trabalho, permanecia no local por medo de passar fome.
Em depoimentos, os jovens relataram que foram com o pai “para a fazenda ainda pequenos, há cerca de nove anos”. O adolescente de 17 anos tinha abandonado os estudos por causa do trabalho e declarou que “era encarregado de olhar e aplicar remédios para matar os carrapatos do gado, de cuidar das cercas quando quebravam, e de comprar o seu próprio alimento com o dinheiro que a mãe mandava”. Ele ainda contou que chegava a se sentir mal quando aplicava o remédio nos animais, pois não utilizava máscaras ou luvas, e que nunca recebeu pagamentos do dono da fazenda. Nem roupa, equipamentos de segurança ou colchões foram dados a eles. Tudo foi adquirido com dinheiro dos pais.
Durante os relatos, os jovens contaram que o dono da fazenda não efetuava pagamentos regulares ao seu pai, entregando R$100 ocasionalmente. Eles contaram ainda que o único banheiro na área estava sem água há cerca de oito meses, pois o local não tinha luz e a bomba não funcionava. “A gente tomava banho no rio, o mesmo de onde a gente bebia água e o mesmo onde a gente dava banho nos gados. E as necessidades fisiológicas a gente fazia no mato, e às vezes nem papel higiênico tinha. Nem xampu e sabonete a gente tinha”, relatou.
A cozinha onde preparam os alimentos era improvisada com um fogareiro a lenha. Além disso, os ferimentos adquiridos no trabalho eram lavados no rio, e eles não tinham remédios e nem materiais de primeiros socorros. Quando adoeciam, o pai era quem comprava remédios. Após o resgate, os jovens receberam a guia do seguro, que dará direito a receber seguro-desemprego por três meses. Vizinhos da fazenda foram também ouvidos pela equipe e confirmaram que os adolescentes trabalhavam na Fazenda Tucum desde pequenos e que já os viram tocando o gado na presença do próprio Henrique Rubim.
Como o proprietário da fazenda se recusou a regularizar a situação, o MPT vai adotar medidas judiciais para que passe a cumprir as normas de saúde, higiene e segurança no ambiente de trabalho e a respeitar os direitos trabalhistas. O órgão entrará com ação na Justiça, tanto para pedidos em relação ao meio ambiente de trabalho, quanto para os pagamentos de rescisões e multas por danos morais coletivos contra Henrique Rubim, que, há três semanas, também teve uma madeireira de sua propriedade interditada por oferecer graves riscos de acidentes a seus funcionários.
*Informações da Ascom MPT/BA.
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