Quase dois anos e meio após o assassinato de dois jovens negros que furtaram carne dentro de uma das unidades do supermercado Atakarejo em Salvador (BA), a rede de atacado vai pagar R$ 20 milhões de indenização por dano moral coletivo e terá que adotar diversas medidas de combate ao racismo. Um acordo judicial entre a Defensoria Pública da União (DPU), diversas instituições e entidades negras foi firmado com a empresa Atakarejo e homologado nessa segunda-feira (18).
O acordo por dano moral coletivo foi ajuizada pela DPU, Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), Ministério Público Estadual (MP-BA), Educafro, Odara – Instituto da Mulher Negra e Centro Santo Dias de Direitos Humanos. O Atakarejo pagará a primeira de 36 parcelas fixas em meados de outubro. A quantia será destinada ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente (Funtrad) e deverá ser utilizada para custear, preferencialmente, iniciativas que guardem afinidade com o combate ao racismo estrutural. Este acordo protocolado dentro de uma Ação Civil Pública (ACP) não elimina outros processos contra a empresa, como na esfera criminal e ações indenizatórias para a família das vítimas.
Em 26 de abril de 2021, depois de terem furtado carnes do Atakarejo, Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, então com 29 e 19 anos, foram entregues por seguranças a integrantes de uma facção criminosa do bairro do Nordeste de Amaralina. Na “lei” imposta pelo tráfico, roubos não são permitidos na região para evitar o aparecimento de policiais. Os jovens negros foram torturados e mortos, e seus corpos foram encontrados no porta-malas de um carro, no bairro de Brotas.
Imagens de Bruno e Yan sentados no chão do pátio do supermercado com quatro pacotes de carnes circularam em vários aplicativos de mensagens e redes sociais. Ao longo das investigações, a Justiça determinou a prisão de traficantes e funcionários do supermercado envolvidos.
Outras medidas
Além da indenização pecuniária, o termo do acordo judicial possui 41 cláusulas com obrigações que deverão ser cumpridas pelo Atakarejo. Entre as medidas que a rede de supermercados se comprometeu a adotar estão o aumento da contratação de trabalhadores negros, de forma proporcional ao número de pessoas negras no estado de atuação, conforme o censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A empresa terá até um ano para fazer com que o quadro de funcionários espelhe a realidade populacional, e deverá incorporar definitivamente esse espelhamento nos padrões de funcionamento da rede de supermercados. O Atakarejo também deverá manter, durante três anos, programa específico e exclusivo de estágio para pessoas negras, com 10 vagas por ano.
Além disso, a empresa fica proibida de impedir a filmagem das abordagens realizadas pelos seus trabalhadores, seja dentro ou fora das lojas. O Atakarejo deverá também manter um canal ativo de denúncias. A rede atacadista ainda vai ter que adotar alguns cuidados no momento da contratação de pessoal para segurança patrimonial, ficando proibida de contratar empresa que tenha em seus quadros de empregados e gestores policiais civis ou militares da ativa ou que tenham sido expulsos de tais instituições; que mantenha entre seus funcionários pessoas com condenação transitada em julgado por crimes em que haja o emprego de violência física ou psíquica; que contrate policiais militares ou civis da ativa para a realização de serviço ocasional ou não esteja devidamente registrada e autorizada a operar na forma da lei.
O defensor público federal Gabriel César explicou que a DPU e as instituições envolvidas na negociação optaram pelo acordo com o supermercado porque o processo é sempre imprevisível e pode demorar anos. “Sabemos que dinheiro nenhum vai trazer de volta essas vidas, mas a indenização e a cobrança da adoção de medidas para que não se permita o assassinato de pessoas negras é o que é possível de se fazer, no campo do direito. Vamos monitorar e cobrar que esse dinheiro realmente seja usado para beneficiar pessoas negras e combater o racismo”, disse Gabriel, que atua como defensor regional de Direitos Humanos na Bahia.
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