Mês da Mulher; Relacionamento Abusivo: sair do ciclo de violência não é tão simples como parece


Uma das primeiras perguntas feitas quando uma mulher sofre violência praticada reiteradamente pelo seu parceiro é: por que ela não larga esse homem? Afirmações como “ela gosta de apanhar porque, depois de tudo, ainda volta para ele” ou “ela deve ter feito alguma coisa errada para ser tratada assim” também são comuns em uma sociedade que, apesar dos avanços, ainda reproduz estereótipos e jargões de uma cultura historicamente machista e sexista. Mas você já se perguntou quais são os motivos que levam mulheres a permanecerem em relacionamentos abusivos? Quais são as principais características dessas relações e como deve ser difícil sair desse ciclo de violência? Segundo dados do Instituto Maria da Penha, no Brasil, a cada dois segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal.

A pesquisa também mostra que, a cada 22 segundos, uma mulher é vítima de espancamento ou tentativa de estrangulamento e, a cada dois minutos, uma mulher é vítima de arma de fogo. Para auxiliar quem vive situações como estas, o Ministério Público estadual oferece um serviço de acolhimento, monitoramento e orientação a mulheres em situação de violência por meio do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher e População LGBT (Gedem), que funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18h.

De acordo com o psicólogo Rafael Cerqueira, que atua no Gedem, é comum responsabilizar a mulher pela situação de violência, sob a alegação de que “ela gosta de apanhar” ou que não tem “força de vontade” para romper com o relacionamento. Mas, segundo ele, esta situação está longe de ser um processo simples. Ele pontua que a relação alterna entre maus e bons momentos, quando o suposto autor usa de chantagens emocionais para justificar as agressões, responsabiliza a mulher pelos conflitos e, muitas vezes, obriga-a a ceder à sua vontade com a promessa de uma suposta lua de mel que nunca chega. “Os motivos que as fazem permanecer neste ciclo são variados e vão desde pressão social para a manutenção do casamento; isolamento afetivo, quando são afastadas de amigos e familiares, impedindo que seja construída uma rede de apoio; vergonha de ser exposta perante vizinhos e familiares, sentimento de fracasso pelo término do relacionamento e preocupação com a situação dos filhos; medo de sofrer uma violência ainda maior; dependência financeira; perda da autoestima, responsabilização da própria vítima pela situação em que vive, entre outros”.

Dados da Violência

No ano de 2017, o Gedem registrou mais de três mil atendimentos a mulheres vítimas de violência. De acordo com a promotora de Justiça Lívia Santana Vaz, dentre as diversas formas de violência, há a violência física, patrimonial, moral e sexual. Segundo ela, o crime de feminicídio, por exemplo, que é o assassinato de mulheres em razão do sexo feminino, configura-se um dos resultados de relacionamentos abusivos e de todas essas formas de violência. “O feminicídio é a consequência mais grave de um relacionamento abusivo, mas, normalmente, o crime não ocorre sem “aviso prévio”. É muito raro que a mulher seja vítima de feminicídio sem nenhum tipo de violência anterior. Geralmente, ela já se encontra nesse ciclo até culminar neste resultado. Então, nunca podemos subestimar as violências praticadas pelo agressor”, pontuou.

Em março de 2015, o feminicídio, por meio da Lei 13.104/15, tornou-se crime hediondo. Nesse mesmo ano, o número de mulheres assassinadas no país foi de 4.621, o que correspondeu a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres, segundo dados do Atlas da Violência publicado em 2017. Ainda de acordo com o Atlas, o Brasil foi o quinto país do mundo com maior taxa de mulheres assassinadas no ano de 2013, o que correspondeu a uma taxa de 4,8 feminicídios a cada 100 mil mulheres. Um aumento de 9% no número de assassinatos registrados, já que, em 2010, o Brasil ocupava a 7ª posição no ranking com uma taxa de 4,4. A coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH) do MP, promotora de Justiça Márcia Teixeira, registra a importância da realização de capacitações dos órgãos que integram o Sistema de Justiça, como Secretaria de Segurança Pública, Ministério Público e Judiciário, para aprimorarem o entendimento sobre a qualificadora do feminicídio de forma que, quando do indiciamento e do oferecimento da denúncia, a tipificação seja analisada de acordo com o caso concreto, porém sempre com o olhar sobre as questões de gênero”.

O Gedem

A promotora de Justiça Lívia Vaz explica que, ao chegar ao Ministério Público, o primeiro contato da vítima é com a equipe multidisciplinar, composta por assistente social, psicólogos e apoio jurídico. “Após avaliação do caso, tomamos as medidas judiciais cabíveis. Se o serviço psicosocial indicar, os familiares também recebem acompanhamento”. Ela registra ainda que o trabalho precisa ser articulado, integrado e fortalecido através da Rede de Proteção à Mulher, seja por meio de órgãos governamentais, movimentos sociais e outras instituições que atuam na defesa de mulheres vítimas de violência”.

As mulheres agredidas contam com uma série de projetos que envolvem psicologia, teatro, oficinas profissionalizantes, além do acolhimento e das medidas judiciais tomadas contra os agressores. Outro projeto é o “Teatro do Gedem”, que trabalha a desenvoltura e a autoestima das agredidas. Além destes, destaca-se ainda a “Oficina de Currículos”, onde as mulheres em situação de violência que perderam seus empregos buscam trabalhar mais diretamente a elaboração da sua apresentação para a reinserção no mercado. O Gedem também oferece atendimento psicológico às assistidas do Grupo por meio do projeto Mulheres em Transformação, que conta com profissionais voluntárias. O Gedem funciona na Rua Arquimedes Gonçalves, nº 142, Jardim Baiano, em Salvador. Casos de violência contra a mulher denuncie pelo Disque 180.

*Com informações do MP Bahia