Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) mostra que 75% de casos de trabalho análogo ao de escravo estão relacionados com a terceirização.
A presença de um intermediário entre a empresa beneficiária dos serviços e os trabalhadores é quase uma regra nos casos identificados pela fiscalização na Bahia. A pesquisa está sendo desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Conjunturais da Faculdade de Economia da Ufba (NEC) em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e outros órgãos de defesa do trabalhador, como o Ministério do Trabalho.
Dados preliminares já identificam como uma das maiores dificuldades no combate ao trabalho escravo a demora nos julgamentos dos casos na esfera criminal. Os primeiros dados divulgados, atualizados até 25 de maio, mostraram que em dez anos, apenas 17 dos 66 casos de trabalho com analogia à escravidão tiveram decisões judiciais na 1ª instância da Justiça Federal. Foi revelado também que, apesar da atuação do Ministério Público Federal (MPF) alcançar 78,8% dos casos detectados pelo MPT e pelo Ministério do Trabalho, o tempo para julgamento das causas ainda é muito extenso. Elas levam até quatro anos para ser julgadas.
O coordenador do NEC, Uallace Moreira Lima, contou que “a iniciativa surgiu através do MPT, pelo procurador do trabalho Ilan Fonseca, que entrou em contato com o Núcleo, apresentando a sugestão da pesquisa”. Lima comentou ainda sobre o valor que será investido durante o estudo. “A ideia do MPT é utilizar o dinheiro pago pelas empresas como indenização por danos morais coletivos para manter o projeto, que mais tarde será utilizado para facilitar o trabalho tanto do MPT, como de outros órgãos”.
Denúncias e flagrantes – O estudo vai mapear as denúncias e flagrantes feitos nos últimos anos. Além disso, vai ser investigada a forma como o MPF e a Justiça Federal avaliam e julgam os casos. Características como tempo de julgamento e pena são dados fundamentais para a pesquisa. A erradicação do trabalho escravo é hoje um dos focos do MPT, mas existem ainda poucas informações sistematizadas, e a pesquisa pretende suprir essa necessidade.
Outra proposta do trabalho é levar mais informações sobre o tema à sociedade, para esclarecer e aumentar a consciência da importância de acabar com o trabalho escravo. Os pesquisadores estão sistematizando informações, como número de pessoas resgatadas, quantidade de casos, idade, cidade onde ocorreu o caso, se o serviço era terceirizado, entre outros. Em seguida a pesquisa analisa a participação do MPT nos casos, e a implementação de termos de ajuste de conduta e ações civis públicas, além de valor das condenações e em que grau foi conseguida a decisão.
Pesquisadores – Também serão avaliados os aspectos criminais de cada ação de resgate, como a atuação do MPF, o tempo que o caso levou para ser julgado, se houve prisões, entre outros. Ao final, a análise foca nos trabalhadores, apontando, por exemplo, para onde eles foram encaminhados após os resgates. Iniciada em outubro de 2016, a pesquisa conta com sete colaboradores. Quatro são alunos da universidade, que estão entre o 4º e o 7º semestre, e receberão bolsa de R$550 para realizar a pesquisa durante 20 horas semanais.
Os pesquisadores foram selecionados em prova aberta para alunos da universidade, em edital elaborado pelo coordenador da pesquisa. Além desses, participaram também os professores Uallace e Cesar Vaz de Carvalho Junior, ambos pesquisadores do NEC, além de Edgard Porto Ramos, integrante da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.
Aumentos dos flagrantes – A proposta inicial da pesquisa mostra que, desde 1990, pessoas em situação de escravidão são encontradas na Bahia. Os primeiros casos foram registrados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho (Getrae), que foi formado originalmente em Brasília. Vinte anos depois, os procuradores do MPT passaram a atuar junto ao grupo, aumentando a frequência dos flagrantes. Em 2015, a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) passou a fazer fiscalizações em diferentes locais do estado, o que aumentou ainda mais o número dos flagrantes e até a prisão de empregadores que mantinham em situações escravagistas os seus empregados.
A prática do trabalho escravo tem várias consequências e causam impactos sociais. Considerado crime pelo artigo 149 do Código Penal, essa prática traz também problemas para a economia do estado. Com o fortalecimento das ações de combate a esse crime, surgiram recentemente tentativas de alteração na legislação, que atualmente prevê sanções para os que são flagrados explorando o trabalho escravo, que podem chegar à perda da propriedade rural.
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