Por dia, 29 crianças e adolescentes são assassinadas no Brasil, de acordo com estudo da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) Brasil divulgado hoje (30). O número coloca o país em terceiro lugar em homicídios de crianças e adolescentes em uma lista de 85 nações. O número de vítimas negras é quase três vezes maior que o de brancas.
Segundo o relatório Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, os homicídios são a principal causa do aumento drástico das mortes de crianças e adolescentes por causas externas. Os assassinatos representam cerca de 2,5% do total de mortes até os 11 anos e têm um crescimento acentuado na entrada da adolescência, aos 12 anos, quando causam 6,7% do total de mortes nessa faixa etária. Entre as mortes ao 14 anos, 25,1% são por homicídio, percentual que atinge 48,2% na análise dos óbitos aos 17 anos.
“Apesar do mito cordial e boa praça do Brasil, o país é extremamente violento”, diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Programa de Estudos sobre Violência da Flacso Brasil, autor do levantamento. O estudo mostra que houve um aumento no número de homicídios desde 1980. Naquele ano, o número das mortes por acidente de transporte liderava as causas de mortes por fator externo de crianças e adolescentes, com 4.782 pessoas de até 19 anos. Esse número subiu para 5.262 em 2013. Já os homicídios, que somaram 1.825 casos em 1980 saltaram para 10.520 em 2013, um aumento de quase seis vezes. Em 34 anos, 207.438 crianças e adolescentes foram mortos no país, segundo o levantamento.
Para Waiselfisz, a organização social e econômica em grandes cidades favorece a violência. “A modernização crescente criou um sistema de agressividade, tanto no meio familiar, quanto nas outras relações. Esse desequilíbrio está sendo observado em várias partes do mundo e fica evidente com as migrações, com as economias desequilibradas. No Brasil, desde a década de 1980, houve uma metropolização acelerada e, junto com isso, houve a marginalização de setores da sociedade e aumento da violência”, diz.
Causas externas
Em 1980, as causas externas representavam 6,7% do total de mortes até 19 anos; em 2013, essa participação mais que quadruplicou, chegando a 29%, sendo 13,9% por homicídio, 6,9% por acidentes de transporte e 1% por suicídio. Enquanto isso, a taxa de mortalidade por causas naturais até os 19 anos de idade caiu de 387,1 óbitos por 100 mil, em 1980; para 83,4 em 2013, uma queda de 78,5%.
Entre as causas externas de morte, os acidentes de transporte são o segundo fator de óbito mais relevante na infância e adolescência. O Brasil está entre os 15 primeiros países em letalidade de crianças no trânsito se comparado ao conjunto de outros 87 países, com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A mortalidade de motociclistas é a principal causa de morte por acidentes de transporte nessa faixa etária, e aumentou 1.378,8% entre 1996 e 2013, passando de 113 para 1.671 por ano.
Segundo Waiselfisz, não se trata de meros acidentes, uma vez que as mortes têm como causas principais a má estrutura das estradas, a demora no socorro e as más condições dos hospitais para atender as vítimas. “O termo acidente remete a uma obra do acaso, mas se isso acontece a nível coletivo, não é acidente. Temos no Brasil estradas que são consideradas BRs da Morte, têm regiões que são mais propensas, há muitos acidentes em curvas”, diz.
Suicídios
O estudo traz ainda um dado preocupante em relação a suicídios de adolescentes, especialmente em comunidades indígenas. No país, a taxa de suicídio na faixa de 9 a 18 anos era de 1,9 em 100 mil em 2003 e passou para 2,1 em 100 mil em 2013. Por essa média, quase duas crianças e adolescentes se mataram no Brasil por dia em 2013.
Na comparação internacional com mais 89 países, o Brasil ocupa a 53ª posição no ranking de suicídios de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos.
Entre os jovens indígenas, no entanto, a situação é mais grave. Em locais de amplo assentamento de comunidades indígenas, como São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant e Tabatinga, no Amazonas, e Amambai e Dourados, no Mato Grosso do Sul, do total de suicídios indígenas, os de pessoas entre 10 a 19 anos representam entre 33,3%, em São Gabriel da Cachoeira, e 100%, em Tacuru (MS). “Uma verdadeira situação pandêmica de suicídios de jovens indígenas”, de acordo com o estudo da Flacso Brasil.
“Nossa luta como representante da liderança indígena em relação à saúde indígena é incansável”, diz a diretora da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Almerinda Ramos de Lima. “Em termos de políticas sociais, nossa condição é bem precária, alarmante. Não há perspectivas para os jovens, nem mesmo um programa de entretenimento”, critica. A diretora também cita o alcoolismo e as drogas com causas que levam os jovens indígenas à morte.
O estudo foi produzido a pedido do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Secretaria de Direitos Humanos em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O relatório foca nas causas externas de mortalidade no Brasil, mortalidade por acidentes de transporte, suicídios e homicídios, e tem como fonte o Sistema de Informações de Mortalidade, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (MS). Em conjunto, as causas externas vitimaram 689.627 crianças e adolescentes entre 1980 e 2013.
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