Publicado no Estadão
Extremamente impopular, Dilma Rousseff não pode sair às ruas para se defender do impeachment que a ameaça e é obrigada a se proteger em ambientes fechados como os palácios presidenciais, que transformou em palco de comícios partidários nos quais prega para convertidos. Ela confia – como os fatos demonstram fartamente – que os veículos de comunicação se encarregarão de levar suas palavras aos brasileiros. Os mesmíssimos veículos de comunicação que o lulopetismo chama de “mídia golpista” e acusa de não abrir espaço para as notícias de interesse do governo porque conspiram contra a democracia. É paradoxal que Dilma admita por atos, embora frequentemente negue por palavras, que os veículos de comunicação cumprem seu dever de informar – sem abrir mão, é claro, de espaço para a manifestação de opinião, própria e de terceiros.
Em mais um capítulo da agenda de encontros com simpatizantes, o comício da quinta-feira passada no Palácio do Planalto foi dedicado a artistas. Obviamente em atenção à liderança de audiência da emissora no horário nobre, ignorando a palavra de ordem “abaixo a Rede Globo”, Dilma acomodou à sua direita uma estrela das novelas globais que, embora se declarando “de oposição”, fez um emocionado discurso “em defesa da democracia”, do qual, como era previsível, um flash foi ao ar.
Em sua fala de mais de meia hora, a chefe do governo persistiu na escalada contra seus opositores – chegando a sugerir que são “nazistas” – e repetiu os argumentos a que tem recorrido para se defender do impeachment, inclusive o de que não pode ser acusada de crime de responsabilidade por ter praticado as famosas “pedaladas” fiscais, porque isso “todo mundo fez”, referindo-se a seus antecessores. Essa, aliás, é a mesma desculpa que os petistas usam quando são acusados de corrupção no governo.
Desta vez, porém, Dilma deu especial destaque ao tema “intolerância política”, de que afirma ser alvo. Lançou mão, porém, de um argumento delirante: “Outro dia, uma pessoa me disse que isso (a “perseguição” que tem sofrido) parece muito com o nazismo. Primeiro você bota uma estrela no peito e diz: é judeu. Depois você bota no campo de concentração. Essa intolerância não pode ocorrer”.
Ora, é absolutamente carente de um mínimo de fundamento e credibilidade a hipótese de que remotamente paire sobre o país a ameaça de uma ditadura, no caso, de direita. Porque a ditadura de esquerda, mais propriamente “bolivariana”, é um sonho acalentado por gente graúda do lulopetismo, como o demonstram as relações do Planalto com os decadentes “governos populares” da América Latina.
A “intolerância” a que Dilma se refere é, na verdade, um traço marcante do PT. A essência do discurso populista de Lula – bem como da pregação ideológica dos setores mais radicais do lulopetismo – baseia-se na divisão do país entre “nós” e “eles” que define o campo do “nós” – eternas vítimas do “eles” – como a única e exclusiva “opção popular” de governo. Esse maniqueísmo é favorecido pelo fato de o campo do “eles” englobar uma ínfima, mas ruidosa minoria de radicais de direita, inclusive alguns saudosos da ditadura militar, bem como “picaretas” da política e notórios líderes parlamentares envolvidos até o pescoço com suspeitas e denúncias de corrupção.
É claro que importantes lideranças petistas, a começar pela maior delas, também têm contas a acertar com a Justiça, e muitas delas já estão atrás das grades. Mas os petistas, afinal, são “nós”, e o fato de serem “do Bem” compensa deslizes éticos e morais. Veja-se o fenômeno dos “guerreiros do povo brasileiro”. É exatamente esse raciocínio – ou esse sentimento, já que nisso não há nada de racional – que, à falta de argumentos mais sólidos, justifica a postura condescendente de personalidades que se deixam seduzir pelo apelo “social” e declaram apoio aos donos do poder porque não conseguem discernir os efeitos nefastos do populismo irresponsável de Lula.
E, enquanto no aconchego de seus palácios Dilma prega “tolerância”, as “organizações sociais”, como o MST e o MTST, ameaçam “tirar a paz” e “incendiar o país”.
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