O Império em orgia


Por Mohammad Jamal

Alguém por aqui, entre os poucos que nos lêem; já se deu ao trabalho de questionar-se sobre o que nos diferencia dos nossos políticos? Já tentou estabelecer uma pequena lista com os principais gradientes que nos diferenciam desses seres especiais? Há sim, de fato, algumas diferenças que palpáveis, aliás, grandes dessemelhanças entre povo e político ou vice versa. Depois de pensar alguns segundos finalmente encontrei uma diferença fundamental. Explico: um processo político sócio biológico que fazemos questão, talvez pelo simples pudor da catarse, de manter silente e imemorável longe das nossas consciências cidadãs. Simples, kuritza, diria Raskolnikov. Tal como as borboletas; as moscas; os girinos; os políticos, seres miméticos e metamórficos, foram, originalmente, povo! Que choque hem?

Seres Metamórficos, tipo borboletas, que vão de larva, a lagarta, pupa e finalmente a borboleta azul que a todos encanta. As moscas, que são mais simples, são depositadas sobre carne apodrecida a partir do ovopositor da mosca fêmea. Saem dos ovos lavas esfomeadas, alimentam-se vorazmente até metamorfosear-se finalmente a mosca adulta; bem assim os girinos; os pernilongos, que depois de meia vida aquática transformam-se em insetos alados! Por associação, quero chegar à sutil diferença que nos faz, enquanto povo, diferentes dos políticos. É que nos mantivemos na fase larvar na cadeia evolutivo-antropológica da sociopolítica – povo -, quando todos nós deveríamos ter evoluído coletivamente ate esse estágio de “intelligentsia do establishment” que proporciona opulência, riqueza, inimputabilidade, cortesãos, bobos com votos às mãos, etc.

Pois é, a diferença que encontrei, é elementar meu caro Watson, diria o grande detetive Sherlock Holmes. É que o político ate poucas horas atrás, antes da diplomação, era povo! Agora é abelha rainha, e vai ser alimentado com geléia real! Seus zangões, com quem irá copular no harém da colméia partidária e no poder, viverão no ócio, transando aqui e ali; e nós, operárias, vamos pegar no pesado para mantê-los no bem bom! Essa é a sutil diferença. Por incrível que pareça esse ser político um dia foi povo, imagina? Que merda, poderia ter sido um alienígena, mas saiu da massa para o seleto círculo dos vitoriosos expertos fadados a uma vida em luxo e opulência!

Mas vão vendo… Observem que as linguagens, os comportamentos, as interações coletivas, a comunicação rápida e acessível, a educação, mesmo que de má qualidade, vão aos poucos mudando a essência do senso comum, sua consciência coletiva, e sua percepção do segregacionismo a que estão submetidos pelo establishment com selvageria e exploração imensurável. E eles, lá de cima, acostumados ao status quo das facilidades, da opulência, das imunidades, dos foros privilegiados; com juízes dos tribunais de contas indicados por partidos políticos, dentre tantos outros privilégios legais, protetivos, materiais e financeiros… Eles dormem tranqüilos indiferentes às sutis mudanças de comportamento que ocorre à surdina no gueto do coletivizado, na massa. Por isso, folgazões, eles voltam sempre para renovar o parcimonioso mandato trazendo na ponta da língua as mesmas argumentações míticas de antes e as promessas de sempre: engodos, mentiras, imposturas, fraude, confiantes no comportamento amnésico que nos suscetibilizavam vulneráveis a essa cantadas de péssimo nível.

Impávidos, cheios de empáfia e arrogância, bem situados no pedestal do poder, eles não se apercebem ou talvez ignorem propositadamente as sutis mudanças ocorridas na personalidade da massa; o coletivizado eleitoral brasileiro está diferente! Já há evidências de intolerância e insurgência contra toda essa bacanal, esse festim licencioso, esse vandalismo institucional praticado à custa do erário público.

Isento de pedantismo esnobe e, reconhecendo-me simplesmente um viciado em literatura, nada mais, permito-me citar aqui, com bibliografia explícita, um trecho que rememorei de um romance satírico inglês do século XVIII, onde um tal de Gulliver¹, voltando do país dos liliputianos, onde as pessoas tinham apenas cinco centímetros de altura, habituou-se de tal modo a se achar gigante entre elas que, ao andar pelas ruas de Londres, gritava involuntariamente aos transeuntes e carruagens que se desviassem e tomassem cuidado para que ele não os esmagasse de algum modo, imaginando que ainda fosse gigante e os outros, pequeninos! Por isso riam dele e o injuriavam, enquanto os cocheiros grosseiros chegavam ate a lhe dar chicotadas. Essa analogia substitui uma extensa argumentação para a qual me falta palavras. Tipificar uma personalidade generalista que retrate o homem público e sua comportabilidade no ambiente político é coisa para Aristóteles, que não está mais por aqui. De qualquer forma, perdoem pelo “desenho” tosco no esforçado esboço que rabisquei aqui.

Qualquer semelhança com a geração política brasileira desta década é mera coincidência. Opine:

*(¹)As viagens de Gulliver (1726) Jonathan Swift.