Por Thiago Pacheco
A AGERBA, Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia, deflagrou no mês de março último uma ofensiva contra os motoristas que trafegam pela rodovia Ilhéus-Itabuna e fornecem, de forma gratuita, o transporte não remunerado popularmente conhecido como “carona” aos estudantes da Universidade Estadual de Santa Cruz, situada à beira da Rodovia.
Diversos sites de notícias tem divulgado a atuação dos fiscais da Agência Reguladora Estadual que notificam os condutores e apreendem seus veículos com base em Resoluções, tanto da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, como da própria AGERBA, especialmente na Resolução nº 4.287/20133 da ANTT e Resolução nº 27/2001 da AGERBA.
Ocorre que as autuações realizadas pelos agentes são contrárias a diversos dispositivos do ordenamento jurídico nacional, sendo passíveis de anulação através de processo judicial, que pode cancelar as penalidades e determinar a devolução dos valores.
Como nos ensina o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001), as agências reguladoras são órgãos vinculados à administração pública indireta, e tecnicamente são, nas palavras do Ministro, “autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades”, ou seja, estão limitadas ao princípio da legalidade administrativa previsto no artigo 37, caput da Constituição Federal de 1988, que estabelece que o Poder Público só pode agir dentro das hipóteses previstas em lei.
As caronas gratuitas dadas pelos motoristas que transitam pela rodovia BR-415 encontram proteção expressa na Constituição Federal, mais precisamente nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 3º, inciso I da Constituição, que assim leciona:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; […]”.
Desta forma, a prática dos fiscais da AGERBA são inconstitucionais, pois ofendem diretamente à um objetivo fundamental da nação Brasileira, especialmente quando difunde-se em toda a sociedade o incentivo a carona solidária como forma de auxiliar na solução do trânsito caótico nas cidade e por questões ambientais também.
No tocante às normas infraconstitucionais, aquelas que visam a regular de forma mais específica a aplicação das leis, as multas aplicadas desobedecem até mesmo Resoluções da própria ANTT, como a de nº 4.287, que prevê em seu artigo 1º, parágrafo único, o conceito de “serviço clandestino”, que não se adequa à situação vivenciada pelos motoristas que dão carona na rodovia, senão vejamos:
“Parágrafo único. Considera-se serviço clandestino o transporte remunerado de pessoas, realizado por pessoa física ou jurídica, sem autorização ou permissão do Poder Público competente”.
Como se pode observar, o transporte gratuito e isento de benefícios indiretos de pessoas realizados por pessoas físicas, não se amolda à previsão legal que autoriza a aplicação das penalidades previstas na própria Resolução, razão pela qual as autuações realizadas na região da Universidade Estadual de Santa Cruz carecem de legalidade.
Cumpre ainda destacar que a Resolução nº 27/2001 da AGERBA conceitua em seu artigo 2º, inciso XVII, que “serviço” é “qualquer atividade de exploração comercial de linha de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros com padrões adotados neste Regulamento”, demonstrando que é necessária a presença de atividade empresarial, ou seja, o lucro, para a carona se encontrar sob a regulação da AGERBA.
O Código Civil também regulou em seu artigo 736 a relação entre a pessoa que oferece a carona e quem se serve do transporte gratuito ofertado, afirmando expressamente a inexistência de contrato de transporte, como podemos observar:
Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia.
Deste modo, a prática dos fiscais da AGERBA se mostra ilegal, havendo ampla possibilidade jurídica de que os autuados acionem o Poder Judiciário com a finalidade de que seja demonstra a inexistência da prática comercial por parte do condutor, com a consequente anulação das penalidades e ressarcimento de todos os prejuízos causados.
*Thiago Pacheco é advogado, inscrito sob a OAB/BA nº. 26.357, natural de Itabuna e sócio da Bastos, Pacheco e Pinheiro Advogados e Consultores.
Deixe seu comentário