Por Eliane Cantanhêde/ Estadão
Meses antes de estourar o mensalão, o então deputado Roberto Jefferson chegou atrasado para um almoço de parlamentares do PTB com jornalistas, justificou que estava numa reunião com petistas no Planalto e desabafou: “Eles não querem aliados, querem sabujos. Eles têm nojo da gente”.
Deu no que deu. Jefferson detonou o esquema do mensalão, que quebrou o encanto do governo Lula e levou para a cadeia os principais líderes petistas e o próprio petebista. Nunca mais o PT foi o mesmo.
O PMDB de hoje no governo Dilma está mais ou menos como o PTB de ontem no governo Lula, às vésperas do mensalão. Com a diferença de que o PMDB é o PMDB: ocupa a Vice-Presidência da República, é o maior partido do Congresso e tem as presidências da Câmara e do Senado, o maior número de governos estaduais e milhares de prefeituras.
E há agravantes: Luiz Inácio Lula da Silva foi um deputado inexpressivo e dizia que o Congresso tinha “uns 300 picaretas”, mas ele conhecia o jogo. Dilma Rousseff nunca foi parlamentar, não conhece o Congresso, não gosta de política, despreza os próprios aliados.
É aí que mora o perigo, porque cidadãos e cidadãs, à distância, têm até o direito de imaginar que os 513 deputados e os 81 senadores são uns desqualificados, aproveitadores, que você compra com um cargo daqui, uma emenda dali. Mas o, ou a, presidente da República e sua equipe direta têm obrigação e necessidade de saber que não é tão simplório assim.
Usar a caneta faz parte, sim, dos regimes democráticos e dos governos de coalizão, mas a relação com o Congresso exige muito mais do que isso. Câmara e Senado têm uma dinâmica particular, movida pelos ventos da economia e pelo humor da opinião pública. Na hora “H”, pesa principalmente a responsabilidade dos líderes (os de fato, não os de direito).
Deputados e senadores querem ser ouvidos, precisam se sentir importantes e prestigiados, em especial se têm por trás uma potência partidária. Se não dava para brincar com o PTB e com Jefferson, o que dizer do PMDB de Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros?
O PMDB tem verbas e cargos, mas quer mais: a sensação de poder, um poder compartilhado em que tenha voz nas reuniões de cúpula, nas medidas econômicas, nas negociações, nos programas sociais. Dilma cometeu inúmeros erros no primeiro mandato e agora é o PMDB quem tem de dar um jeito e pagar o pato na opinião pública? Pois o partido não quer se sentir “usado”, não quer que o PT tenha “nojo”.
Essa irritação, mais o governo frágil, a economia fazendo água e a inclusão de Cunha e Renan na “lista do Janot” empurram os últimos movimentos do PMDB. Cunha praticamente humilha o Planalto, impondo a Dilma uma derrota atrás da outra. Renan foi decisivo para aprovar aquele jeitinho de driblar a Lei da Responsabilidade Fiscal, mas deu uma guinada brusca nesta semana na direção de Cunha e do próprio PSDB – tanto para espezinhar Dilma quanto para conquistar as simpatias tucanas nesses tempos difíceis de “lista do Janot”.
Os tucanos estão dando gargalhadas, porque o PMDB é o fiel da balança e a regra é essa: quanto mais fraco os governos ficam, mais fortes e afoitos se tornam os aliados. Imagine-se um aliado como o PMDB, com Cunha e Renan esperneando na Lava Jato e as condições políticas e econômicas trabalhando contra o Planalto.
Hoje, Dilma tem a maior base aliada do planeta, mas se o PMDB se bandear de vez para o outro lado, o equilíbrio no Congresso muda totalmente. E num momento em que a “lista do Janot”, a Standard & Poor’s e o ajuste fiscal rondam Brasília.
Tudo que o governo não precisava, aliás, era do ministro Cid Gomes plagiando Lula e dizendo que 300 a 400 deputados são “achacadores”. E justamente a minutos da reunião de Dilma com líderes…
Com aliados assim, quem precisa de adversários?
*Artigo publicado originalmente no Jornal Estado de São Paulo
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