Por Gustavo Cezar do Amaral Kruschewsky
INTRODUÇÃO
“Para escrever bem deve haver uma natural facilidade e uma dificuldade adquirida”.
Jubert
“o único lugar no mundo onde o sucesso
vem antes do trabalho é no dicionário”.
Vidal Sasson
A obra Legislativa, na atribuição de criar leis, como qualquer atividade na vida terrena, não é, de todo, perfeita. Até a presente conjuntura, este mister decorre do poder legislativo.
Apesar de que, na configuração política atual, sabe-se que não é só este Órgão que “legisla”. O executivo, além de encaminhar projetos de lei para o Poder Legislativo “contribui” com suas “Medidas Provisórias” que podem tornar-se lei, muitas vezes “ad absurdum e/ou in rem propriam”, para que a governabilidade não seja inviabilizada.
O Poder Judiciário, através dos Tribunais, faz sua parte estabelecendo jurisprudências que são verdadeiras Sabedorias do Direito, preenchendo as lacunas deixadas pelo legislador, porque a lei se apresenta como hipótese enquanto a jurisprudência é fato.
A doutrina estabelecida, por sua vez, também auxilia aos operadores do direito no entendimento da lei insurgindo com constantes porfias sobre o texto legal que, por vezes, apresenta palavra omissa, orações que pretende o legislador ser restritiva e, por falta de vírgulas entre determinadas palavras, dificultam-se as interpretações, dando-se azo a entender que são explicativas. Até prescreve artigos que são frontalmente inconstitucionais.
Carlos Maximiliano, citado por Serejo (2002, p. 32), salienta que deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis.
Pontes de Miranda, apud Serejo (2002, p. 32) afirma que, “não existe interpretação razoável senão certa ou errada”.
O caráter da interpretação deve ser social e progressista e não individualista. O hermeneuta jurídico deve levar em consideração, máxime, o método literal, lógico ou racional, sistemático, histórico e por extensão.
O método literal, com o qual este articulista basicamente conduz a sua fundamentação segundo Lima (1983, p. 152) é limitado ao valor das palavras, ao exame da linguagem dos textos, à consideração do significado técnico dos termos, porém, apesar disto, importante porque o texto com suas palavras é o ponto de partida para qualquer esforço interpretativo.
Além disto, as palavras são um limite à interpretação. A interpretação não pode substituí-las. Mas há, muitas vezes, necessidade de esclarecê-las pela riqueza ou volubilidade semântica que apresentam.
A SUTILEZA DAS DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS DAS EXPRESSÕES JURÍDICAS “DEVERES E OBRIGAÇÕES”.
Gomes (1986, p. 14) argumenta que “obrigação, no mais amplo sentido, é sinônimo de dever.
Adiante, cuidadosamente, exprime: Até deveres não jurídicos se dizem vulgarmente obrigações, mas nem mesmo todos os deveres jurídicos podem ser designados por esse nome tecnicamente. Obrigação é espécie do gênero dever, reservando-se o termo para designar o dever correlato a um direito de crédito”.
Gomes (ibidem) conclui que
A afirmação de que a obrigação constitui um vinculo jurídico não é redundante. Explica-se para distingui-la de outras relações que não configuram sujeição de direito como, v.g., os deveres puramente morais. Seria absurdo chamar de crédito a faculdade de o marido exigir da mulher que o acompanhe na mudança de domicílio. O dever de segui-lo não é obrigação de relação jurídica do tipo obrigacional propriamente dito.
Observe-se que tanto o Código Civil vigente quanto o anterior, no dia 10 de janeiro de 2003, tornou-se “ desfeito e sem eficácia pela revogação”, tratam, de forma pertinente, no Livro do Direito das Obrigações, de questões relativas a crédito e a débito entre as partes. Portanto, a relação obrigacional vincula judicialmente uma parte a outra em que a devedora fica obrigada a satisfazer uma prestação, de caráter econômico, em que envolverá o seu patrimônio para satisfazer o direito da outra, caso não seja adimplida voluntariamente.
A exemplos, verifica-se que Obrigação alimentícia é imposta por lei a alguma pessoa com a finalidade de garantir a outra os recursos necessários para a sua mantença pelo fato de faltar nesta pessoa condições de autossustentação econômica financeira. A Obrigação a termo: é o prazo determinado em contrato onde se torna exigível na data do vencimento do termo. A Obrigação comercial: É uma operação ou negócio realizado por um comerciante com outras pessoas disciplinadas pelo Direito Comercial. A Obrigação cartular: É a obrigação fixada, entre as partes, num título de crédito, a exemplo da nota promissora, duplicata, etc.
A Obrigação creditória é aquela que o devedor tem que cumprir através da entrega em dinheiro ao credor.
Assim, a relação jurídica especificamente obrigacional entre as partes é a divida de uma e o credito da outra. Já o dever jurídico abarca também relações de outra natureza entre as pessoas de ordem não econômica.
Existem, no mundo do negócio jurídico, outros tipos obrigacionais, a exemplo também da obrigação conjuntiva.
Há de se notar que, em todo negócio jurídico que envolve obrigação, a rigor, tem-se a entrega determinada de um patrimônio do devedor ao credor, que possui efetivamente valor econômico financeiro. Portanto, a relação jurídica obrigacional é vinculada entre ambas as partes em que uma constitui-se de um lado devedora e a outra parte credora. Caso a parte devedora não cumpra a sua prestação em função do direito de crédito da outra parte o patrimônio daquela parte responderá, sendo liquidado a fim de fazer face ao cumprimento da obrigação.
O caduco Código Civil Brasileiro, que foi tornado sem efeito em 10 de fevereiro de 2003, prevê, no art. 1º, que “este Código regulamenta os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações”. No artigo 2º deste mesmo instituto assim é estabelecido: “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”.
Houve descuido do legislador em enfatizar a palavra “obrigações” nos artigos acima apontados.
Contudo, não apenas o “jus et obligatio sunt correlata”. Talvez não entendesse o Poder Legiferante, daquela época, que o direito é, em grande parte econômico.
Mas é preciso considerar, antes de tudo, que o Direito é, por excelência, ético. É “o mínimo ético” além de que o negócio jurídico relacionado entre as partes, muitas das vezes, apresenta o seu objeto sem caráter econômico. Logo, o Direito está em dependência e em perfeita consonância, primeiramente, com os deveres jurídicos.
O Legislador, dos idos de 1916, com certeza utilizou a palavra obrigações para que fosse entendida extensivamente a todos os deveres. Mas a ligação que dá a entender ou revelar a obrigação jurídica tem significação específica e não caracteriza a generalidade como ocorre com o dever jurídico.
“Os deveres matrimonias, “exempli gratia”, que criam laços entre os cônjuges em que cada um tem, ao mesmo tempo, deveres e direitos em relação ao outro, não tem entre as partes, “a priori” diretamente uma vinculação de crédito, aqui entendido como direito de receber algum bem material ou porque emprestou, ou por força de contrato ou determinação judicial. Como também os deveres jurídicos firmados em outro tipo de relação em que se tenha o direito de exigir de outra pessoa, especificamente, uma prestação de valor não econômico, em que não haja o dever de prestar em função do direito de crédito.
Se a prestação for de caráter econômico, será considerada uma obrigação jurídica, que não deixará de ser um dever. Se inexistir este tipo de prestação, será apenas dever jurídico que não caracteriza especificamente uma obrigação legal.
O termo obrigação deve ser entendido por extensão da locução dever, dando-se origem àquela classe que constitui espécie desta. A obrigação, no aspecto jurídico, é stricto sensu, enquanto o dever é lato sensu.
Se a Lei é “erga omnes” e o Direito disciplina as ações do homem dentro de princípios legais, vinculando juridicamente o individuo como titular de um direito ao objeto deste próprio direito, dando-lhe poder de fruir, gozar, dispor e de adquirir determinados bens da vida, materiais ou imateriais, portanto, nem só corpóreos, mas também incorpóreos, econômicos ou não, seria muito mais racional usar apenas a locução deveres, porque é abrangente.
O objeto do direito está intimamente ligado ao sujeito do , à relação jurídica e à coação. Este instituto protetor, da coação, tem a acepção de assegurar a entrega da prestação jurisdicional, através do processo executório, caso não seja cumprida a prestação espontaneamente.
Este direito, reconhecido às pessoas de fruir, gozar, dispor e adquirir, muitas vezes, não exige do sujeito, ao satisfazer o direito do outro coativamente, o sacrifício do seu patrimônio.
Ora, se o Código Civil já revogado prescreveu apenas especificamente as obrigações a relação jurídica entre as pessoas, estabelecida nos artigos supracitados, tem conotação meramente econômica, afastando-se o dever de prestar da pessoa em função do direito da outra de caráter não econômico.
Deve-se levar em conta que a relação de dever jurídico, que estará sempre em jogo, entre as pessoas, envolverá situação apatrimonial e patrimonial. Envolvendo apenas prestação patrimonial, haverá obrigação jurídica. Ocorrendo prestação não patrimonial, por parte da pessoa, haverá simplesmente o dever legal. Pode-se até dizer que o descumprimento voluntário do dever jurídico poderá ser transformado em obrigação legal especificamente, donde o patrimônio do devedor responderá.
Portanto, no dever jurídico, propriamente dito, inexiste a figura do crédito consoante existe na relação jurídica obrigacional. Naquele dever, o que se percebe é o direito único da pessoa exigir uma prestação não econômica de outrem.
O novo Código Civil, que já vigora desde 10 de janeiro de 2003, dispõe, no art. 1º, que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
No art. 1.511, deste mesmo instituto Jurídico, prevê-se: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.
O legislador deste novo Diploma Cível foi feliz em modificar o termo obrigações por deveres. Aí sim. Cabe uma interpretação extensiva que englobará a obrigação jurídica porque, como já foi dito, aquela locução (deveres) é gênero formando classe nova, que é a obrigação jurídica de prestar. As previsões dos citados artigos não especificam quais são os deveres. Subentende-se que as relações jurídicas no casamento e na vida comum do individuo levam a ensejar tanto obrigações quanto deveres jurídicos, implicando, portanto, prestação de ordem econômica e não econômica por parte dos cônjuges.
Na órbita do direito processual civil verifica-se, no art. 14 (caput) que foi modificado pela Lei 10.358 de 27 de dezembro de 2001, in verbis. “São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”. I – Expor os fatos em juízo conforme a verdade. II – Proceder com lealdade e boa fé. III – Não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento. IV – Não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.
Neste art. 14 e seus incisos, o legislador foi pertinente ao se referir ao gênero deveres.
Trata-se de dever de probidade e lealdade processual, que poderá recair numa possível obrigação processual, pois se qualquer das pessoas mencionadas, que estiver figurando no processo, infringir a norma, sofrerá sanção respondendo por perdas e danos por litigância de má fé, com previsão nos artigos 16 a 18 do CPC, e o ônus recairá em pagamento de valor monetário. Vale dizer que, à luz do art. 18, parágrafo 2º, a responsabilidade do improbus litigator deve ser reclamada nos mesmos autos do processo em curso, não precisando intentar ação especifica para esse fim. Até a parte que vencer a demanda poderá responder por litigância de má fé. Observe-se que o dever, em muitos casos, tem profunda relação direta com o valor moral, enquanto a obrigação, com o bem patrimonial.
O Inciso V deste artigo, introduzido pela Lei “ut supra” prevê que todos aqueles que figurarem no processo devem “cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final”.
No parágrafo único deste mesmo artigo, também inserido pela citada lei, o legislador se refere às possíveis tomadas de decisões do magistrado, portanto, norma cogente que impõem multas, caso não haja cumprimento destas determinações do inciso V contra qualquer das partes ou quem participar do processo. Ora, neste aspecto, enseja-se diretamente uma obrigação processual pelo responsável que descumprir.
Ainda no Diploma processual cível notadamente nos artigos 621 e seguintes que tratam da Execução das Obrigações de dar, de fazer e de não fazer, se a parte tiver que cumprir uma decisão judicial que não seja de natureza econômica, deve-se tratar de dever e não de obrigação processual. Por exemplo, na “obrigação” de fazer, deve-se considerar um dever de fazer e não uma obrigação de fazer, levando-se em consideração que o ato em si deságue na “feitura ou prestação de um fato ou execução de alguma coisa” que consista simplesmente num labor ou num afazer desde que inexista natureza econômica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessarte, o que se convencionar em contrato, ou por criação de leis ou decisum judicial, gerando cumprimento e observação das pessoas, redundam em direitos para uns que, em decorrência destes direitos, fazem surgir obrigações e, ou deveres para outros.
Consoante a espécie da prestação ou natureza do ato jurídico é que se distingue dever da obrigação, apesar de que tanto as obrigações quanto os deveres jurídicos são efetivamente encargos ou ônus que pesarão sobre uma coisa e pessoa.
“O dever jurídico tanto provém do contrato, para formular especialmente a obrigação criada pelo mutuo consentimento dos contratantes, como decorre do respeito pelos princípios elementares da equidade e da ordem jurídica, em virtude dos quais se firma a obrigação de não ofender direito alheio (neminem laedere). No entanto, o dever jurídico, fundado na obrigação contratual dependente sempre da vontade do homem, se apresenta como um direito de exigir, pertinente ao sujeito ativo da obrigação que um dever a cumprir, como sucede ao dever decorrente de uma imposição de ordem legal. E neste primeiro caso, o dever difere da obrigação. Esta resulta da própria natureza das coisas e se funda na ação que tem o sujeito ativo sobre aquele que a deve cumprir e sobre as coisas que são de seu objeto. O dever é fundado nas relações que subsistem entre o sujeito ativo, que exige o adimplemento da obrigação, e aquele que a deve cumprir” (SILVA,1987, p. 68).
Barbosa Moreira, citado por Theodoro Junior, especificamente no campo de ação do Direito Processual civil, defende que se configuram deveres “outras prestações, que não as de expressão econômica, a que se sujeitam as partes de qualquer relação. Enquanto obrigação processual, em sentido lato, é todo vinculo jurídico que importa em sujeitar alguém a uma prestação de valor econômico”.
Vale dizer que, quando ocorre uma decisão interlocutória, sentença ou acórdão, “uma das partes é prejudicada pelo resultado do decisum ou julgamento. Todavia a parte que sucumbiu não tem a obrigação de interpor o recurso, mas existe um dever ou obrigação que pode vir a pesar sobre ela que juridicamente vai ficar obrigada a cumprir”. (KRUSCHEWSKY, 1999, p. 90).
Portanto se a sentença condena, ao pagamento de honorários advocatícios, pensão alimentícia, prestação de aluguel, nestes casos, trata-se de obrigação processual. Mas se a sentença decreta apenas o direito da guarda de menor, por exemplo, o encargo ou o ônus do vencido é de “dever” processual de entregar o menor ao vencedor da demanda e não obrigacional.
Infere-se, finalmente, conforme o exposto que, consoante “a espécie da prestação ou natureza do ato a que está alguém obrigado”, se de caráter econômico ou não ou se o interesse é de exigir ou de cumprir, conforme convenção contratual ou por imposição de lei considerando aí também as várias decisões judiciais, tanto no âmbito do direito civil quanto do direito processual civil, toda a pessoa é capaz, ou seja, abriga em si a tripartição de direitos, deveres e obrigações.
REFERÊNCIAS
GOMES, Orlando. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense,1986.
KRUSCHEWSKY, Gustavo Cezar. Natureza jurídica do recurso cível. São Paulo: Bestbook, 1999.
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do Direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983.
SEREJO, Paulo. A nova redação do art. 14 do CPC e os advogados. Brasília. Revista Jurídica Consulex, Ano VI, n. 127. Editora Consulex, 2002, p. 32.
SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil.
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