Município de Ilhéus e Embasa podem responder a inquéritos civis do Ministério Público


Por Anna Karenina

Promotor recebe da professora, morador e alunos, documento com pedido de investigação

Promotor recebe da professora, morador e alunos, documento com pedido de investigação

Uma ação social foi promovida, nesta última sexta-feira (25), por estudantes de Direito da Faculdade de Ilhéus na comunidade do Mambape, para representar ao MP informações sobre fatos ocorrentes na localidade com relação a violação do direito fundamental ao meio ambiente e as condições de saneamento básico. Os alunos do II semestre de Direito, sob a instrução da professora e socióloga Geórgia Couto, por atividade Interdisciplinar determinada pela Coordenação do curso, entregaram, nesta ocasião, junto a moradores, um documento ao Promotor da 11ª Vara de Meio Ambiente, Urbanismo e Consumidor, Dr. Paulo Figuereido, que se fez presente para conhecer em loco o objeto da investigação solicitada.

No documento, é pedido, em síntese, que o MP investigue o impacto e as condições de funcionamento da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), localizada no Mambape, operada pela Embasa, com avaliação e fiscalização do escoamento dos afluentes lançados pela ETE no manguezal – que margeia o rio Sant’ana – a poluição ocasionada por esgotos domésticos, as condições de saneamento básico e status de saúde na localidade.

Professora Geórgia Couto
Professora Geórgia Couto

De acordo com o Promotor Figueredo, “vão ser dois inquéritos civis públicos. Um para a ETE, sobre o lançamento de afluentes. Caso seja comprovado que essa ETE esteja realizando o lançamento fora dos padrões, a Embasa vai ser acionada. E outro inquérito para ver a questão da falta do pacote geral de urbanismo (calçamento, telefone público, iluminação, drenagem pluvial, esgoto residencial, coleta de lixo etc) nesta localidade, e quem responde é o município, que tem a obrigação de controlar a adequada ocupação do solo”, explicou.

A professora Geórgia Couto afirma que “é um descaso por parte do poder público e da sociedade, permitir a arbitrariedade de jogar esgotos no manguezal, que é uma área de preservação permanente, tornando-o totalmente contaminado. As marisqueiras, moradoras do Mambape, não podem pescar nesta área, e, por isso, têm que se deslocar para lugares distantes para conseguir coletar os mariscos para gerarem renda. A partir desta ação, esperamos que esses manguezais e aspectos sociais do bairro possam ter outra qualidade para que melhore as condições de vida da população”.

Escoamento dos afluentes da ETE do Mambape no manguezal às margens do rio Sant’ana, em Ilhéus-BA.

Escoamento dos afluentes da ETE do Mambape no manguezal às margens do rio Sant’ana, em Ilhéus-BA.

A Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e a formação social do Mambape

Gerente da Embasa, José Correia Lavigne
Gerente da Embasa, José Correia Lavigne

De acordo com informações do gerente da Embasa, José Correia Lavigne, a construção da ETE do Mambape, operada pela Embasa, foi uma obra do Governo do Estado da Bahia executada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER), entre os anos de 1989 e 1990, quando a Embasa começou a operar para atender os esgotos da Urbis 1 e posteriormente da Urbis 2, que sobem por estação elevatória, com demanda atual para atendimento de aproximadamente 2000 casas. Ele explica que não existia nenhuma construção ao redor dos muros da ETE quando a Embasa começou a atuar, mas ao longo do tempo, no prolongamento do caminho 45 da Urbis, diversas invasões foram ocasionadas com construções irregulares nos entornos da estação. “Um crescimento completamente desorganizado. Antes, quando começamos a operar, não existia nenhuma casa no Mambape”, garantiu o gerente da Embasa.

Dados levantados pelo projeto da professora Geórgia Couto, informam que a população local “sobrevive da atividade da catação de mariscos, que devido à destruição dos manguezais, tornaram-se escassos”, além das necessidades de urbanização, acesso à saúde, educação, dificuldades que a população local enfrenta para a geração de renda, as condições de água encanada, saneamento básico da ETE operada pela Embasa e a poluição do manguezal.

Denúncias

Lia, moradora e marisqueira
Lia, moradora e marisqueira

Segundo uma moradora e marisqueira residente há 21 anos no Mambape, Maria Jesus, conhecida como Lia, a ETE derrama esgoto ‘in natura’ no manguezal. Ela afirma que não tem acesso à água encanada e recebe taxa de cobrança por uma água que não consome. “Tiramos a caixa que eles (Embasa) colocaram em cima da casa. Depois disso, vieram 6 meses de conta de água que nós não estávamos usando e não iríamos pagar, pois só pagaríamos a água se eles colocassem o cano geral, e estão  cobrando usando o nosso cano”, disse. Ela afirma que não há monitoramento da ETE, “diversas vezes esquecerem a estação ligada, o esgoto transbordou e chegou a invadir as casas de alguns moradores”.

O gerente da Embasa, Lavigne, rebate a informação e afirma que cerca de 70% da população do Mambape recebe água encanada em casa, com 446 ligações de água, “a embasa só manda recibo se a pessoa está cadastrada. Água cai lá todo dia”, e 157 têm ligações de esgoto, que desce por tubulação para a Urbis para ser bombeado para a ETE pela estação elevatória. “Onde tem rede que passa pela porta da casa, a gente coleta”, afirmou o gerente. Perguntado da razão pela qual a questão do esgotamento sanitário não é completamente solucionada no Mambape, o gerente explica que “existem moradores que tem a casa com a declividade invertida, e eles não querem levantar seus sanitários e transferir para a rede, além da resistência à questão da taxa cobrada pelo esgotamento sanitário”.

Lavigne defende a concessionária, declarando que “não jogamos esgoto ‘in natura’. Se jogássemos, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídiricos (INEMA) estaria em cima da gente”. Laudo enviado pela Engenheira e Analista de Saneamento da Embasa, Sandra Gomes, da ETE do Mambape, apresenta dados da entrada de esgoto e saída de esgoto tratado, demandas químicas e biológicas de oxigênio, sólidos sedimentáveis, sólidos totais e oxigênio dissolvidos, como também dados de seis métodos de análises. A Engenheira declara que há a presença constante de um monitor da Embasa na ETE, que o funcionamento é normal e a manutenção é feita periodicamente.

O gerente denuncia as construções irregulares em cima das tubulações da ETE e as ligações clandestinas, os famosos ‘gatos’, “que a Embasa está inclusive fiscalizando”. E questiona, “porque eles escolheram exatamente o Mambape para morar? Em uma tubulação de 200 mm construíram uma casa em cima. No dia que quebrar, vai ser esgoto dentro da casa, da cozinha pra sair na frente. As pessoas vão invadindo e não querem saber das consequências. A Prefeitura que deveria fiscalizar, e não a Embasa”, lamentou.

Tifane e Geane, moradoras do Mambape
Tifane e Geane, moradoras do Mambape

Já duas moradora do Mambape, Tífane e Geane, mãe e filha que residem há 13 anos próximas à ETE, operada pela Embasa, trazem mais informações. A mãe, afirma que recebe água encanada em casa, e que em determinados períodos, funcionários desta concessionária comparecem com caminhão à estação para colocar produtos químicos, capinar o matagal e também em períodos chuvosos. Apesar de destacar o “mau cheiro fortíssimo, dor de cabeça que a gente sente, problemas de pele, infestação de ratos e insetos”, Geane afirma que a ETE “tem manutenção. Quando enche, eles vão e limpam. É um tratamento. A água desce para o cano lá embaixo, mas a água continua suja, vai pro mangue”, disse. Os moradores que não tem esgoto encanado, fazem fossa, principalmente os que têm casas em nível mais baixo, segundo a moradora.

Abordagem Jurídica

De acordo com a Procuradora do município de Ilhéus, Advogada, Professora e membro do Núcleo de Práticas Jurídicas (NUPRAJ), Stella Carilo, o problema da agressão ao meio ambiente no Mambape, se dá pelo crescimento urbano desordenado e a fiscalização do poder público junto às obras e construções. “Não há como pensarmos em meio ambiente sem pensarmos na cidade. Infelizmente encontramos muitas pessoas com construções irregulares, sem o devido alvará junto ao município”, destaca a procuradora, que lembra o direito fundamental de todos ao meio ambiente, em que é dever do poder público e também da coletividade defendê-lo e preservá-lo, conforme prevê o Artigo 225 da Constituição Federal. Para ela, a educação é o melhor caminho para prevenir a agressão ao meio ambiente.

Após o MP analisar o documento entregue pelos estudantes, instalar um inquérito e ajuizar uma ação penal pública “a solução é a reparação obrigatória, indenização, e pode ser pedido àquela pessoa que esteja lesando o meio ambiente (física ou jurídica), que repare aquilo que ela causou”, explica Carilo.

É o que afirma o Promotor Figuereido, “se a concessionária tiver a rede de esgoto, e a residência do cidadão possibilitar a conexão com a rede de esgoto, ele é obrigado a conectar. Se não, ele também é réu na ação. Se não houver a possibilidade técnica, como uma mine estação elevatória, ou uma solução alternativa como fossa, por exemplo, a gente pode também tentar cooptar a Embasa para entrar com esses custos, porque ela fornece água. A depender do caso, se a Embasa fornece água, e ela tem o conhecimento que o consumidor não tem possibilidade de conectar na rede de esgotamento sanitário, então ela que arque com os custos de construção da fossa asséptica, porque ela é a prestadora do serviço. Se ela fornece, ela também tem que dar a solução técnica”.

ETE do Mambape pode ser desativada no futuro

Porém, apesar dos diversos transtornos, a ETE do Mambape pode ser desativada daqui há dois ou três anos, conforme declara o gerente da Embasa. Segundo o mesmo e pronunciamento do Prefeito Jabes Ribeiro, está em andamento um projeto de saneamento básico elaborado por uma empresa de Salvador para atender toda a zona sul de Ilhéus. “O projeto é orçado em 75 milhões, e deve sair esse ano. O que o Governo do Estado passa pra gente é que está no PAC 2 seleção 4. Se sair hoje, a obra demora 2 anos e meio para ser concluída. Depende agora politicamente da boa vontade de chegar e encaminhar”, declara com otimismo o gerente da Embasa.

* Por Anna Karenina de Oliveira SRTE 4085/BA com a colaboração de Vanessa Andrade, Débora Marques e Rafael Lago, alunos do II semestre do curso de Direito, da Faculdade de Ilhéus.