Um exercício de fantasia futurológica


Artigo escrito por Elio Gaspari – Colunista da Folha de S. Paulo

Numa tarde de Brasília, o Supremo Tribunal Federal reúne-se para julgar os recursos dos mensaleiros, revoga as condenações por formação de quadrilha e livra-os do cárcere. Joaquim Barbosa, o presidente da corte que relatara o processo, joga a toga sobre a bancada, faz um breve discurso, renuncia ao cargo, sai do prédio e chama um táxi. Dias depois, seu nome é lançado como candidato à Presidência da República.

Há fantasia nesse cenário, mas o gesto da renúncia é uma possibilidade real. Se Joaquim Barbosa será candidato, trata-se de pura futurologia.

Quem duvida dessa possibilidade apresenta o que seria um obstáculo intransponível: a falta de base política. Alguém conhece pessoa que votará no candidato que for indicado pelo PMDB? Ter base partidária é mais uma carga do que um impulso, mesmo no caso do PT. Para a campanha da doutora Dilma será bom negócio esquecer a estrelinha vermelha, fechando o foco na personalização de seu governo. O PT decidiu confundir-se com os mensaleiros. Problema dele.

Dos cinco presidentes eleitos nos últimos 60 anos, três prevaleceram sem que devessem qualquer coisa às bases partidárias. Fernando Henrique Cardoso foi eleito pelo Plano Real. Se dependesse da força do PSDB, seria candidato a deputado federal. Ele foi eleito porque o real ficou de pé. Depois do fracasso do Plano Cruzado, houve sete ministros da Fazenda e só ele teve futuro político.

Fernando Collor passou por três grandes partidos, mas elegeu-se pelo microscópico PRN, que não existe mais. Recuando-se aos anos 60, Jânio Quadros elegeu-se governador de São Paulo pelo irrelevante PTN e em 1958 foi engolido pela União Democrática Nacional num lance puramente oportunista.

Partido, quem teve foi Lula. Todos brincam de cubos, formando alianças fisiológicas lubrificadas pelos métodos que desembocam em mensalões.

Olhando-se para a rua cheia de gente contra-isso-que-está-aí, vê-se um quebra-cabeça onde falta uma peça. Aécio Neves tem nas costas o doutor Eduardo Azeredo, com seu mensalão mineiro. Eduardo Campos não entendeu nada, disse que baixou as tarifas de transportes em um ato “unilateral”, como se fosse um coronel do semiárido falando aos peões de sua fazenda.

Joaquim Barbosa pode vir a ser a peça que fecha o quebra-cabeças. Se isso acontecerá, não se sabe. Também não se sabe que resultados trará. Os dois exemplos de avulsos que chegaram a presidente, Jânio e Collor, terminaram em catástrofes. No caso de Jânio, numa catástrofe que levou as instituições democráticas para a beira do precipício no qual elas cairiam três anos depois, em 1964. Barbosa defende grandes causas, mas é chegado a pitis e construções inquietantes, como a sua denúncia das “taras antropológicas” que a sociedade brasileira carrega. Descontrola-se e justifica-se atribuindo sua conduta a dores de coluna. Se todas as pessoas que têm esse tipo de padecimento perdessem o controle quando viajam em trens lotados na hora do rush, as tardes brasileiras teriam pancadarias diárias. Há nele uma misteriosa predisposição imperial.

Talvez esse exercício de futurologia tenha o valor de uma leitura de cartas. Sobretudo se o PT perceber que a ida dos mensaleiros para a prisão, ainda este ano, deixará de ser um peso nas suas costas. Afinal, depois que Fernando Haddad e Geraldo Alckmin acordaram o monstro, é difícil saber como levar a rua para casa, mas é certo que o monstro sairá de casa se os mensaleiros forem poupados.

Às 19h de quinta-feira, os manifestantes que estavam na avenida Paulista em frente ao prédio da Gazeta mandaram que as bandeiras vermelhas fossem abaixadas: “O povo unido não precisa de partido”. Minutos depois, queimaram algumas. Há 12 anos elas estavam lá, gloriosas, festejando a eleição de Lula.