Pouco mais de sete em cada dez cemitérios públicos brasileiros têm problemas de ordem ambiental e sanitária, de acordo com estudo do geólogo e mestre em engenharia sanitária Lezíro Marques Silva. O levantamento, concluído em 2011, reuniu dados de mais de mil cemitérios do país, entre públicos e privados. O pesquisador, que é professor da Universidade São Judas, explica que os problemas começam na superfície com a proliferação de animais vetores de doenças e continuam no subsolo com a contaminação do lençol freático.
“Se o necrochorume escapa do túmulo, ele pode entrar em contato com o lençol freático, criando uma mancha de poluição que atinge quilômetros de distância a ponto de contaminar poços e rios”, explica o geólogo. O necrochorume é um líquido formado durante a decomposição de cadáveres enterrados, similar ao gerado pelos resíduos sólidos em aterros sanitários. “Ele é rico em substâncias tóxicas como putrecina, cadaverina e alguns metais pesados”, explica.
Lezíro Marques informou ainda que a contaminação do lençol freático ocorre em quase a totalidade dos cemitérios públicos com problemas ambientais e sanitários. Ele destaca que a saturação desses equipamentos públicos agravam ainda mais os prejuízos provocados por essas condições. “Com o esgotamento da capacidade de sepultamento, o que sobra são terrenos do ponto de vista geológico inadequados, como lençol freático raso, área de várzea e morro”, critica.
O professor Walter Malagutti, do Departamento de Geologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que também desenvolve pesquisa na área, explica que não havia a preocupação de observar os critérios geológicos para construção de cemitérios. “Pode ocorrer de alguns terem sido implantados em locais inadequados. Muitos estão em áreas nobres, como as regiões centrais.”
Ele avalia que o ideal seria considerar os mesmos critérios dos aterros sanitários, como lençol freático mais profundo possível, rocha impermeável e distância dos centros urbanos, para construção de cemitérios.
Walter Malagutti explica ainda que os cemitérios são fonte renovável de contaminação, pois, diferentemente dos aterros, eles não costumam ser desativados. “Pela legislação brasileira, depois de cinco a sete anos, quando ficam só ossos, eles são removidos e colocado outro corpo no local”, relata. Segundo o professor da Unesp, um diagnóstico ambiental dos locais de enterro já existentes e a observação de critérios geológicos para a implantação de novos cemitérios são algumas medidas para amenizar a situação.
Já a pesquisa desenvolvida por Lezíro Marques resultou no desenvolvimento de substâncias capazes de neutralizar o necrochorume, reduzindo o nível de contaminação. “A grande meta é não permitir que o líquido extravase”, destacou. Para tanto, foi criada uma espécie de colchão a ser colocado na sepultura, o qual possui um líquido que elimina os efeitos dos poluentes. Uma ação semelhante é conseguida por uma substância que lava o subsolo retirando o necrochorume. “Tem solução, mas pouco é feito”, avalia.
O geólogo destaca ainda a necessidade de uma legislação mais específica, que oriente a construção de lajes de contenção e obrigue uso de substâncias neutralizadoras do necrochorume.
Os pesquisadores concordam que a cremação seria a solução mais adequada para a preservação do meio físico. Eles avaliam, no entanto, que a questão cultural é o principal empecilho para o uso da técnica. “A cremação é muito incipiente no Brasil. E isso não tem a ver diretamente com o custo. Enquanto se paga entre R$ 350 e R$ 400 para cremar um corpo, o enterro mais simples custo no mínimo R$ 2 mil. É uma questão cultural”, avalia Lezíro.
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